Ao que parece, ainda que eu tenha declarado expressamente que não pretendia assinar o apelo sobre o ius soli, o meu nome de alguma forma foi inserido de modo ilegítimo. As razões de minha recusa obviamente não dizem respeito ao problema social e económico da condição dos imigrantes, face ao qual compreendo toda importância e urgência, mas à própria ideia de cidadania. Estamos tão habituados a dar como garantido a existência desse dispositivo que nem nos interrogamos sobre a sua origem e significado. Parece-nos óbvio que cada ser humano, no momento do seu nascimento, seja inserido num ordenamento estatal, encontrando-se assim sujeito às leis e ao sistema político de um Estado que não escolheu e do qual não pode mais desvincular-se. Não se trata de traçar aqui uma história desse instituto, que atingiu a forma que nos é familiar apenas com os Estados modernos. Tais Estados chamam-se também Estados-Nação porque fazem do nascimento o princípio da inscrição dos seres humanos no seu interior. Não importa qual seja o critério processual dessa inscrição, o nascimento de progenitores já cidadãos (ius sanguinis) ou o lugar do nascimento (ius soli). O resultado é, em todo caso, o mesmo: um ser humano encontra-se necessariamente sujeito a uma ordem jurídico-política, qualquer que seja ela naquele momento – a Alemanha nazi ou a República Italiana, a Espanha falangista ou os Estados Unidos da América –, e deverá, de tal momento em diante, respeitar as leis e receber os direitos e obrigações correspondentes desse Estado.
Estou perfeitamente ciente de que a condição de apátrida ou imigrante é um problema que não pode ser evitado, mas não estou seguro de que a cidadania seja a melhor solução. Em todo caso, a meu ver, ela não pode ser motivo de orgulho e um bem a ser partilhado. Se fosse possível (mas não o é), assinaria com prazer um apelo que convidasse a abjurar a própria cidadania. Segundo as palavras do poeta: "a pátria será quando todos formos estrangeiros”.
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Giorgio
Agamben
Filósofo.
Nasceu em Roma em 1942. É fundamentalmente conhecido pela sua obra magna Homo Sacer, publicada parcialmente em
português, nomeadamente “Poder Soberano e
Vida Nua” e “Estado de Excepção”.
É autor também de “Ideia da prosa” e
“A comunidade que vem”.
Notas da edição
Giorgio Agamben, “Perché non ho firmato l’appello sullo ius soli”. Esta tradução
foi realizada a partir da versão brasileira por Vinícius N. Honesko publicada
em Flanagens
e do original em italiano publicado em Quodlibet.
Imagem
Via: Patterns of
Power. Desenho de Ruben Pater.
Ficha Técnica
Data de
publicação: 20.10.2017