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O amplo e maciço movimento lançado pela Ordem dos
Arquitectos "arquitectura por arquitectos" e a onda de indignação provocada
pela aprovação na generalidade da lei que irá permitir aos engenheiros (pelo
menos uma parte deles) voltar a assinar projectos assumiu-se como uma verdadeira
catarse colectiva. Serviu para encontrar um culpado (fácil), exorcizar os
pecados (dificilmente assumidos) e oferece ainda a possibilidade de redenção (o
que é sempre simpático).
Se a arquitectura, enquanto prática profissional e
saber disciplinar, não conseguiu segurar para si um reconhecimento «social» e
«político» é precisamente porque essas duas palavras foram, há muito, extintas
do seu vocabulário e se transformaram no insustentável peso da sua aparente
leveza. O compromisso social, "ingénuo", "naif" das
arquitecturas de outrora, foi trocado por uma arquitectura de
"qualidade" e "excelência", feito mais produto cultural de
excepção do que tarefa de intervenção no espaço social e no território. A
criação de uma fábula em torno de uma arquitectura portuguesa pritzker para consumos export-import,
mobilizou todas as instituições nas últimas décadas, mas deixou pouco espaço
para uma discussão sobre a tarefa e o papel desta na sociedade.
O Presidente da Ordem dos Arquitectos argumenta que
"haverá uma perda de qualidade de vida para os portugueses". Mas
alguém pode verdadeiramente acreditar nisso? Digam-me já em que auditório da
Ordem é que estas discussões têm vindo a decorrer para ir participar
imediatamente. Onde estão esses debates sobre a qualidade de vida e a qualidade
do ambiente construído em Portugal? Onde está a participação em massa dos
arquitectos nos debates sobre políticas urbanas e políticas territoriais? Ou
para nem ir muito longe: onde estavam a maioria dos arquitectos, as suas
instituições de ensino, a Ordem e as suas secções, nos debates sobre a
reabilitação urbana das cidades? Onde estavam todos esses apologetas da
arquitectura quando entidades como a SRU-Porto Vivo se lançavam numa campanha
de destruição maciça de grande parte do centro histórico do Porto? Onde estavam
os gritos de indignação dos arquitectos tão pré-ocupados por esse direito à
arquitectura?
Sejamos francos, a grande maioria dos arquitectos vive
à margem das questões sociais, políticas, urbanas que os envolvem. Recusa
reconhecer essa dimensão social e política na própria disciplina. Reduz a
arquitectura à performance do objecto arquitectónico e aceita tacitamente o
quadro de acção dentro do mercado sem o criticar ou problematizar. Não
participam e demonstram até um certo desdém por aqueles que afirmam o desejo de
pensar a arquitectura na sua condição social e política. É um problema de
formação e de enquadramento. A arquitectura, como muitas outras disciplinas, deixou de ser um lugar para um conhecimento sobre o mundo para ser uma
profissão. Uma actividade puramente privada. As leis do marketing e do branding
são hoje as verdadeiras leis dos novos escritórios.
Da arquitectura desapareceu todo e qualquer discurso
sobre a cidade, sobre o território e sobre o ambiente construído. Organiza-se
uma conferência sobre os processos de transformação dos centros históricos sobre
turismo e gentrificação e aparecem três gatos pingados. Enquanto isso,
auditórios enchem-se para ouvir as palavras sábias de Valerio Olgiati ou
Jacques Herzog discorrerem sobre a essencialidade profunda e misteriosa do
gesto arquitectónico ou sobre a geometria pura e perfeita de um cristal de
vidro em formato ícone.
Esse é o grande paradoxo inerente a todo esse
movimento. Os arquitectos querem o reconhecimento público e social dos seus
actos próprios, mas foram eles próprios, as suas instituições de ensino e as
instituições que os representam, que nas últimas décadas abdicaram de qualquer
reflexão sobre a dimensão pública e social da arquitectura, sobre a sua
condição política, sobre a sua tarefa na sociedade e para a sociedade.
A questão que fica é: como é que podemos exigir que
nos reconheçam esse direito, se há muito que o deixamos de reivindicar para nós
próprios ?
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Pedro
Levi Bismarck
Editor do
Jornal Punkto. Arquitecto e assistente convidado na FAUP.
Nota do
autor
O título dado ao artigo segue o título do
livro que Le Corbusier publicou em 1930: “Précisions sur un état présent de
l’Architecture et de l’Urbanisme”.
Imagem
Cartaz da Ordem dos Arquitectos da iniciativa
“Trabalhar com Arquitectos”.
Ficha Técnica
Data de
publicação: 21.07.2017
Etiqueta:
Arquitectura \ Espaços