Fazer menos com menos: arquitecturas de crise






Na segunda metade dos anos 1990, como reacção a complexidade bizantina das arquitecturas da “desconstrução”, um certo minimalismo arquitectónico permaneceu na ribalta. Foram-lhe consagrados livros e exposições. Desde a crise de 2007 e 2008, o descrédito da arquitectura icónica, cúmplice do entusiasmo louco do imobiliário, abriu caminho a novas estéticas do less. Assim, o minimalismo como tal é hoje objecto de numerosas críticas. Paradoxalmente, as mais virulentas provêm por vezes daqueles que reivindicam (e produzem) a arquitectura mais austera e despojada. Esta pequena antologia de excertos de textos (exceptuando o último, que é o editorial integral da revista San Rocco nº9) foi escolhida por Pierre Chabard para acompanhar o artigo Utilitas, Firmitas, Austeritas, publicado no Punkto em Março de 2017.



1. Willem Jan Neutelings
O fim do minimalismo
2007

2. Reinier de Graaf & Rem Koolhaas
SimplicityTM
2009

3. Pier Vittorio Aureli, Kersten Geers e outros
Obstrução
2012

4.Kersten Geers
Uma arquitectura sem conteúdo
2012

5. Pier Vittorio Aureli
Menos é suficiente
2013

6. San Rocco
Santos e Macacos
2014



1. Willem Jan Neutelings
O fim do minimalismo
2007

Senhoras e senhores. O Minimalismo são as novas roupas do imperador: tentar encontrar coisas interessantes no interior do nada. A estetização do minimal, o hino ao preto e branco, o discurso do subtil, o apaziguamento da imagem, tudo isto, digo-vos eu, é areia para os olhos. Não se representa nada compondo com nada. Senhoras e senhores, nada de brilhos, de nádegas nuas de imperador, porque a arquitectura minimalista é nula. Senhoras e senhores, o Minimalismo recusa-vos o conforto. Dá-vos mesas de arestas vivas que vos abrem os joelhos. Aterroriza-vos com torneiras e maçanetas de portas que vos prendem os dedos. Com banheiras rectangulares nas quais nem quereríamos matar um porco. Mina o vosso espírito com paredes brancas que refletem uma luz que deixa louco. Com superfícies de vidro que recusam proteger-vos do sol e com tectos planos que recusam proteger-vos da chuva. Priva-vos da sensação de cave húmida, dos sótãos poeirentos. Quer fazer-vos definhar em espaços vazios e ocos, sem equipamentos de limpeza, sem livros, sem cantigas infantis. O Minimalismo aterroriza-vos com o seu Bom Gosto, confina-vos a uma existência de transparência perpétua, como uma borboleta embalsamada numa vitrine.
Senhoras e senhores, o Minimalismo não deixa brilhar a vossa sociedade. Os seus edifícios públicos não representam nada: só fazem referência a eles próprios. A expressividade é o derradeiro tabu. O novo palácio da justiça de Gante [Stéphane Beel & Lieven Archtergael, 2007] toma-se por um edifício de escritórios standard. Recusa qualquer referência à Justiça de olhos vendados que, com a sua espada, fatia o nosso destino. A sala de concertos de Bruges [Robbrecht & Daem, 2002] traveste-se em bombardeiro furtivo, invisível ao radar, convicto a não exprimir o nosso tempo, a emoção do teatro ou a agitação da música. O museu da Moda de Antuérpia [Marie-José Van Hee, 2002] tem tanto carisma como uma pessoa franzina e pálida quando comparada com os dois voluptuosos palácios de moda erigidos um pouco mais adiante na mesma rua por Walter van Beirendonck e Dries Van Noten. A nova biblioteca Premeke de Antuérpia [Stramien, 2005] assemelha-se a uma velha garagem, com o interior dos pavimentos em betão e as paredes brancas, quando se esperaria ouvir o crepitar da literatura sobre o soalho perfumado a cera.
O Minimalismo despojou-se de todos os ornamentos, de todas as decorações, de todos os modelos, de todas as cores, de todas as texturas, de todos os odores, de todos os sons. Mesmo os arquitectos suíços mais dogmáticos ou mais insípidos decoram, desde há anos, as fachadas dos seus edifícios através de fotografias de plantas elegantes ou com impressões de anjos rechonchudos. O Minimalismo censurou, no entanto, todo o dispositivo arquitectónico sensorial que permite comunicar com os seus edifícios. Só os surdos-mudos são incapazes de comunicar. O Minimalismo é autista, surdo e mudo, incapaz de se exprimir e só se refere a si mesmo. Toma-nos como reféns no seu colete de forças do Bom Gosto. Já não se trata somente de esteticismo mas da política: coloca em evidência uma diferença de classes entre os iniciados e os restantes. A arquitectura minimalista empurra-nos para uma mortificação esgotante e recusa-nos todo o consolo. Mas para onde passaram o conforto, a alegria, a expressão pública, o futuro radiante deste país?

Willem Jan Neutelings, “La fin du Minimalisme et du Bon Goût”, A+ nº 204, Março 2007, p. 85-86



2.Reinier de Graaf & Rem Koolhaas
SimplicityTM
2009

[...] Os arquitectos e os artistas podem doravante contar com públicos imensos e com multidões de adoradores disciplinados; celebramo-los como estrelas do show-biz. O mundo da cultura oferece toda uma variedade de planos de carreira: diva, ícone ou continuador de velhos percursos que consistem em apresentar orgulhosamente o seu trabalho como sendo ao mesmo tempo singular e original.
Temos uma receita única para impor as cidades no mapa do mundo. Ela consiste em copiarem-se uns e outros, um plágio mútuo menos perturbador que o auto-plágio porque é a repetição da singularidade de cada um que o mercado arrasta com cada vez mais frequência.
Enquanto o estatuto das personalidades culturais deve ser sempre mais elevado, a sua reputação junto daqueles que, no fim de contas, decidem o seu destino, revela-se em permanente declínio. O comentário de Donald Trump sobre o projecto de Daniel Libeskind para o World Trade Center: “esse monte de lixo foi concebido por um cabeça de ovo”.
Quem são os verdadeiros vencedores? Quem são os verdadeiros vencedores num mundo em que a cultura se compra? [...]. Hoje em dia, os edifícios mais altos do munto atraem tanto multidões adoradoras como as actuais figuras da elite cultural.
A cidade é fundamentalmente uma acumulação de ícones. Ela tornou-se num ícone do excesso fabricado por um excesso de ícones. A cidade representa uma promessa permanente de um amanhã, da próxima melhor coisa. A dimensão das maquetes emula a da própria cidade, os gabinetes de venda dos agentes imobiliários já apresentam a decoração urbana virtual do futuro. “Um dia, todas as cidades serão construídas assim”: a fórmula aplicada fora do Ocidente contém essa profecia cheia de segurança a uma escala que excede em muito aquela que o Ocidente praticou. A nossa Disney é a sua Disney, mas a Disney é ainda uma invenção ocidental, mesmo se todo o ridículo do Ocidente convergir para ela. Mas durante quanto tempo ainda? Eis a questão.
Há um mês atrás, as consequências plenas do crash bolsista tornaram-se evidentes e, aparentemente, a descoberta do remédio não se encontra próxima. Se este crash foi causado pela predação financeira, o skyline urbano constituirá talvez a tradução exuberante da predação cultural, ou seja, o equivalente cultural do sistema de bónus dos gestores de capital de risco.
[...]
O cemitério deste género de arquitectura poderá talvez tornar-se num laboratório da renascença da arquitectura moderna – uma arquitectura mais funcional, mais social, uma arquitectura da performance e da funcionalidade.
No contexto exuberante do Dubai, tentámos lançar uma nova fórmula que baptizámos de “Generics”. Como os medicamentos genéricos – sem patente, sem copyright, sem autor -, ela permitiria às intervenções urbanísticas e arquitectónicas serem partilhadas em todo o mundo de uma forma mais eficaz e menos inibida. [...]
Se o seculo XX foi a era da abundância, o século XXI foi até agora a do excesso. Temos necessidade de um novo começo, de uma renascença da funcionalidade e da performance. De um manifesto, como lhe chamámos, para o um novo tipo de simplicidade. SimplicityTM, uma marca registada sem superlativos que acompanham todas as outras marcas, uma simplicidade pura, direita, objectiva, previsível, honesta, original e justa.

Reinier de Graaf & Rem Koolhaas, « The end of the “¥€$ Regime” », em Hans Ulrich Obrist (dir.), Manifesto Marathon, Colónia, Walther König, 2013, p. 84 – 85.



3.Pier Vittorio Aureli, Kersten Geers e outros
Obstruction
2012

I
Nos anos vinte, era suposto a forma seguir a função.
Nos anos sessenta, era suposto a forma seguir o movimento.
Nos anos oitenta, era suposto a forma seguir o programa.
Nos anos dois mil, era suposto a forma seguir os Ícones.
O tempo virá onde a forma só se seguirá a si mesma.

A forma arquitectónica estará lá antes de ser alguma coisa, e estará lá depois: dura e inalterável, inflexivelmente troçando com o seu próprio significado, a sua função, programa, conteúdo, imagens, estilo, clientes, representações, pretensões ....

II
Perante o actual e desvalorizado fetichismo da informação, análise, diagramas, mapeamentos, discursos multidisciplinares e ´pesquisa´, parece impossível levantar a questão da forma arquitectónica. No entanto uma grande parte da arquitectura de hoje em dia é formalismo gratuito, apesar de todos os argumentos programáticos, funcionais, filosóficos, dociológicos e tecnológicos em contrário. É precisamente por esta razão que se tornou de novo urgente levantar-se a questão da forma. A única e crucial questão a responder é: como pode a linguagem formal da arquitectura ser politicamente e socialmente relevante a partir de dentro dos seus condicionamentos específicos?
Deve-se afirmar desde o início que não estamos interessados na hermenêutica da forma arquitectónica. Estamos antes interessados na sua criticidade instrumental, na medida em que define o domínio e os problemas da arquitectura, na medida em que estabelece um modo subjectivo de compor as coisas, na medida em que define um âmbito preciso para ver as coisas. A responsabilidade do arquitecto coincide com a responsabilidade da forma. A forma arquitectónica é crítica não por ser a imagem de uma paranoia hermenêutica ou novidade por sim mesma, mas por articular as condições que permitem que uma expressão pública, e portanto coerente.

III
Tradicionalmente, a atitude formalista é associada a processos, técnicas, materiais; em suma, com o como: como é que a a forma é produzida e composta. Esta consciência da forma é importante, mas foi frequentemente usada como alibi para uma neutralidade confortável. Acolhemos o projecto do formalismo com uma nova questão: porquê? Porquê a forma? E porquê esta forma em vez de outra?
Formalismo aqui é concebido como auto-reflecção pública pelos arquitectos: somos os produtores de formas arquitetónicas; conhecemo-las e somos responsáveis por elas; e devemos continuamente perguntar-nos, “Porque é esta forma necessária?”

IV
Para nós é crucial a diferença entre reconhecimento e percepção. O reconhecimento de um objecto trabalha através de um sistema dado de convenções, símbolos e formas, enquanto a percepçao é um acto dinâmico de ver e um primeiro passo em direcção à estranheza trazida para o debate pelas técnicas dos arquitectos para mobilizar o que, até entao, não tinha sido nem podia ser visto.
No contexto do capitalismo tardio, no qual a estética e a cultura são as principais forças produtivas, tal posição tem como objectivo definir um contra-espaço de acção para o arquitecto, que está cada vez mais sujeito a correntes de moda estéticas. O capitalismo tardio pretende desfocar o projecto com o quotidiano de modo a transformar a própria sociedade numa “convincente, e portanto produtiva, obra de arte”. A relevância do formalismo consiste então não somente no estabelecimento da autonomia do craftsmanship mas em emancipar o arquitecto de uma imagética exploradora, oferecendo-lhe uma consciência plena do seu próprio lugar.

V
A forma é ela própria e nada mais. Mas o absoluto da sua irredutibilidade, o seu ser em e para si própria, não termina aí, num loop autorreferencial. A natureza finita da forma arquitectónica define-se a si própria criticamente sempre contra e a favor de outra coisa. A forma arquitectónica é à vez oposta e à disposição daquilo que lhe é externo. Conjecturar sobre a forma arquitectónica é na verdade um meio para imaginar configurações enquadradas pela arquitectura sem prever nem o seu conteúdo ou destino.

VI
Em arquitectura, é prática popular trabalhar com um conceito que coloca a imagética (função, movimento, programa, dados, ícones, logos, diagramas) antes da arquitectura. Mas isto é um erro, condenando a arquitectura a uma redundância permanente e sem esperança. Invertemos o problema à cabeça, revertemos a polaridade, e começamos de novo do início. O início é a forma arquitectónica, no seu absoluto, vista em comparação com o curso da vida que procura servir e enquadrar.
A essência da forma arquitectónica reside na sua capacidade para obstruir. A forma arquitectónica funciona como uma estratégia simplesmente por existir; está lá para avançar o seu contexto e não a ela própria. Não oferece possibilidades infinitas e desfocadas, mas estabelece limites. O seu enquadramento ditatorial só é desequilibrado pela cidade, cuja natureza e conteúdos estranhos procura civilizar.


VII
A Arquitectura, na sua constituição elementar, é apenas forma: paredes, salas, corredores, rampas, pisos .... Vemos esta gramática como o lugar político e essencial para a apropriação, habitação e composição. Estamos cientes das pretensões to discurso arquitectónico contemporâneo, que nos parece uma terminologia de complexidade inútil: programa, morphing digital, branding, fetichismo tecnológico, etc. Acreditamos que apenas se focando naquilo que é absoluto em arquitectura se pode evocar verdadeiramente (e honestamente) – por inferência negativa – a complexidade imprevisível da vida que se irá desenrolar no seu interior.

VIII
Se tentássemos sumariar a vida numa cidade e a vida num edifício num único gesto, esta teria que ser o de atravessar paredes. Cada momento da nossa existência é um contínuo movimento através do espaço definido por paredes. Os arquitectos não podem definir como o programa muda, como o movimento acontece, como os fluxos se desdobram, como a mudança ocorre. O único programa que pode ser atribuído com confiança à arquitectura é a sua inércia específica face à mutabilidade da vida. A vida é a essência da cidade, ou antes a dos seus conteúdos.

Pier Vittorio Aureli, Kersten Geers, Martino Tattara, David Van Severen, « Obstruction. A Grammar for the City », AA Files nº 54, 2012, p. 3 – 5.



4.Kersten Geers
Uma arquitectura sem conteúdo
2012

Hoje em dia, um grande número de edifícios não requer um desenvolvimento intrincado da planta de modo a serem socialmente viáveis ou economicamente interessantes. Se a planta e a sua potencial complexidade pudessem ser uma inspiração (ou até um alibi) para um grande número de projectos arquitectónicos, parece que a partir de o momento em que a planta e a complexidade do seu uso se tornarem irrelevantes, o argumento para a arquitectura desaparecerá definitivamente.
A batalha pela arquitectura e a sua necessidade é feita nos domínios da habitação e do edifício público: aí a planta importa. Uma grande parte da produção contemporânea de edifícios acontece nas franjas deste universo, e um grande número de edifícios são vestimentas pragmáticas para um conteúdo indefinido. Em muitos casos, qualquer tentativa de fazer arquitectura partindo do puro pragmatismo desse conteúdo deriva em wishful thinking. Ainda assim, quando a escala do edifício se afigura como importante em relação ao seu contexto, os riscos são demasiado altos para que os ignoremos. A arquitectura nestas instâncias não pode ser demasiado ambiciosa mas tem que ser esperta. Não pode ser demasiado sofisticada, mas tem que ser inteligente. Não deveria nunca tentar ser uma arquitectura completa, mas dever-se-ia posicionar a si mesma. Por um lado, deve estar ao serviço do conteúdo que não atinge; e por outro deve ser fundamental o suficiente para não ser ignorada e para fazer sentido por si própria.
Mais importante, no entanto, é a questão sobre o que deveria ser o seu quadro de referência, sobre o que deveria ser a sua ambição. Quais são os princípios definidores de uma arquitectura sem conteúdo?
No início dos anos 1970 e na maior parte da segunda fase da sua produção arquitectónica, Robert Venturi fez experiências com um conjunto de princípios gráficos disfarçados de resposta pragmática à fenomenologia de ser visto (e reconhecido). Apesar da pseudo-ironia e dos jogos de representação (inspirados na Pop-art), muitas das estratégias e princípios implícitos ainda parecem ter valor. Isto não é surpreendente, pois a chave para a continuação da arquitectura da complexidade e da contradição é a sua noção de continuação ou (até certo ponto) o desprendimento da arquitectura da sua função. A arquitectura sem conteúdo usa a função ou conteúdo de um certo edifício como a desculpa para a sua existência. A função/conteúdo é o catalizador mas não a sua quintessência.
A categorização de Venturi de “caixas” em patos e barracos decorados parece fora de moda na nossa sociedade sobre-conectada  onde o contexto e a morada são definidos por GPS e web. De modo mais perturbador, faz uma ligação desnecessária entre contentor e contido. De modo fascinante, em partes da produção do próprio Venturi (ex. os laboratórios Lewis Thomas), temos um vislumbre do que é possível quando este argumento tão forçado é posto de parte: vemos um edifício em busca de princípios que não tem que comunicar – um exercício na arquitectura do perímetro.
A arquitectura sem conteúdo quer investigar as estratégias possíveis que nos restam quando aceitamos os limites do nosso campo de operações. Esta arquitectura pragmática não é uma nova arquitectura e provavelmente encontra as suas raízes tanto na arquitectura europeia antes do funcionalismo ortodoxo (barracos, halls e palácios) e na arquitectura pragmática dos edifícios-contentor de grande escala construídos no domínio dos edifícios corporativos norte-americanos nos anos 1960 e 1970. Numa tentativa de destilação de estratégias possíveis para a arquitectura do perímetro, deveríamos tanto ignorar interior como exterior e focar-nos no potencial do threshold (limite) entre ambos.
A história do projecto de arquitectura está cheia de ambivalências, desde os inícios que a arquitectura esteve comprometida com a representação daquilo que não conseguia fazer. O perímetro não é excepção: pelo contrário, o perímetro é exactamente onde o que é apresentado é o que é pretendido: uma linha fina onde intenções se tornam em arquitectura. O posicionamento complicado das colunas gregas, a dissimulação das paredes romanas rebocadas, as ordens aparafusadas de Mies van der Rohe … todos estes exemplos fazem parte de uma história fundamental destas intenções. Estes micro-formalismos fazem a ponte entre intenções e realidade e estão no coração do projecto do arquitecto. A arquitectura sem conteúdo consegue ultrapassar os limites impostos pela realidade, pelo programa, por requisitos de performance, porque a sua essência permanece indescritível. O projecto torna-se tangível através de refraseamento contínuo. O principal activo da produção cultural é que é capaz de evocar aquilo que não consegue ser completamente descrito. Posiciona-se entre a realidade interior e exterior. Como um divisor ignora a sua suposta performance. Existe literalmente sem o seu conteúdo. De muitas formas, Ed Ruscha resumiu-o quando disse: “Gosto da ideia de alguém fazendo statements sobre alguma coisa sobre o qual não se fazem statements.”

Kersten Geers, « Words without Thoughts never to Heaven Go », 2G nº 63, 2012, p. 164 – 65.



5.Pier Vittorio Aureli
Less is enough
2013

O Minimalismo evoluiu precisamente da transformação do imperativo moral da restrição para uma estética facilmente reconhecível. O exemplo mais óbvio é a arquitectura de John Pawson cujo minimalismo vai desde villas e lojas luxuriosas até um mosteiro em Novy Dvur, na República Checa. Feito somente a partir de paredes rebocadas e formas simples, a arquitectura de Pawson é minimal até ao ponto de se anunciar inadvertidamente enquanto clichê. Numa conversa hilariante, que é também uma das melhores críticas ao minimalismo, um monge que vivia no mosteiro de Pawson revela que a adjudicação foi dada um ano depois da visita dos monges à loja da Calvin Klein em Nova Iorque, desenhada pelo arquitecto britânico. Perante o espectáculo de simplicidade, o monge ficou em êxtase: “era tão puro que nada distraia do produto, era como ir às compras levado a um nível religioso. Não daria um mosteiro maravilhoso, pensámos, se substituíssemos a moda por deus?1
Vemos aqui o quão fácil é transformar ascetismo numa insincera caricatura. A restrição estética é facilmente permutável com o marketing, especialmente em tempos de recessão, quando há uma corrida para acolher a retórica do anti-consumismo e o regresso a valores fundamentais. Como contraponto ao fenómeno dos ´starchitects´- arquitectos que participaram no frenesim do espectáculo arquitectónico dos últimos 20 anos - muitos críticos invocam o arquitecto reclusivo que se recusa a participar, que é capaz de se abster das comissões orientadas pelo mercado.
Em anos recentes, a personificação deste tipo de arquitecto é Peter Zumthor, que foi por coincidência agraciado com o prémio Pritzker apenas alguns meses antes do início da recessão. Frequentemente visto como um quase-ermita, Zumthor produz arquitectura com uma aura de abstinência. O exemplo mais gritante desta caricatura de Ascetismo é o seu pavilhão para a Serpentine Gallery de 2011, uma estrutura temporária para um dos lugares mais exclusivos de Londres: os jardins de Kensington. Tanto através do seu nome, ‘Hortus Conclusus’ como da sua disposição, um jardim a céu aberto encerrado por uma galeria retangular de madeira, o pavilhão fez imediatamente lembrar um mosteiro. Um aspecto formal interessante foi a dupla parede que encerra, com entradas pronunciadas, o que significa que os visitantes que quisessem aceder ao jardim seriam forçados a percorrer o interior do estreito e escuro corredor entre as duas paredes. Este modo extremamente ritualista de entrada era encenado de forma a amplificar a experiência de passagem entre o exterior “profano” e o interior “sagrado”. O cenário bucólico do parque e a simplicidade do pavilhão apresentavam uma aura de “humildade e redenção” em oposição à agitação profana da cidade. E, ainda assim, como Andrea Phillips apontou numa crítica, a pretensa humildade do pavilhão estava “em desacordo com a maquinaria especulativa do financiamento arquitectónico transnacional que a comissão representa”2. Concluiu que o pavilhão de Zumthor era um “pavilhão da austeridade”, representando o que ela chamou de “política bucólica” que o capital adoptou no início da recessão. Estas políticas bucólicas operam sufocando ideologicamente a crescente desigualdade económica e social com imagens de contemplação e reconciliação com a natureza. Aqui o ascetismo perde o seu “carácter destrutivo” e torna-se numa casca vazia, cujo vazio é inversamente proporcional à vasta riqueza financeira que este género de arquitectura representa.
No entanto, existe um exemplo muito mais interessante deste tipo de ascetismo, que sumariza de forma subtil os descontentamentos do minimalismo. É a fotografia que retrata Steve Jobs, o fundador da Apple, na sala de estar da sua casa em Los Gatos, California. Feita por Diana Walker em 1983, quando Jobs era já um bem sucedido empreendedor multimilionário, a fotografia mostra-o com uma chávena de chá numa mão, sentado no meio duma sala notavelmente vazia apenas com um candeeiro e um gira discos. Há uma certa beleza na fotografia precisamente porque não parece construída, mas sugere um sentido de vida quotidiana.
Ao mesmo tempo também não é uma situação casual. Jobs está sentado no centro da fotografia olhando fixamente o observador como se a cena em que ele é o protagonista principal fosse um tipo de declaração de intenções. Comentando sobre a fotografia, este disse que esta era simplesmente a forma como vivia na altura: “Era solteiro, tudo o que é preciso é uma chávena de chá, um candeeiro e umas colunas, sabe, e era o que tinha”. Comparado com o brilhante e sobre-desenhado minimalismo de Pawson, ou a aura mística da humildade de Zumthor, o ascetismo de Jobs parece mais real, mais genuíno, e temos que admitir que aqui o minimalismo alcança uma das suas melhores performances de sempre. Há uma semelhança impressionante com a Co-op Zimmer de Hannes Meyer, apesar de ser improvável que Jobs conhecesse o projecto. De facto, a sala de Jobs é ainda mais drástica na redução dos pertences ao mínimo essencial. Tal como na sala de Meyer, o minimalismo extremo de Jobs não renuncia ao gira-discos - e o seu sentido frugal de prazer torna-se mais importante aqui que outros aparelhos normalmente considerados mais necessários (tais como o telefone ou a televisão). A fotografia confirma que à sua maneira Jobs era um asceta, e que percebia que que a sua “will to power” só poderia ser reforçada através de um cuidadoso auto-controlo. Mas o ascetismo de Jobs foi para além da sala de estar em Los Gatos para se tornar numa das mais bem sucedidas máquinas de branding do capitalismo corporativo. Não há espaço aqui para descrever a obsessão com a  simplicidade que tem caracterizado o design dos produtos da Apple. Talvez seja mais interessante ver como o design ascético de si próprio se tornou na peça central do sucesso da Apple.
Como um abade de uma ordem monástica, Jobs impôs nos seus colaboradores uma disciplina rígida informada não apenas pelo foco no trabalho mas também pela frugalidade, como se reflectiu no desejo de ter todos os trabalhadores da Apple vestidos com o mesmo uniforme. O próprio Jobs, como um monge, era o devorador ascético, e usava sempre as mesmas roupas - calças de ganga e uma camisola de gola alta preta - a sua própria versão do hábito de um monge. Quando ficou mortalmente doente, o seu ascetismo tornou-se mais extremo. A doença não perturbou a sua imagem de auto-determinação e concentração no essencial, mas tornou este aspecto da sua vida ainda mais forte. Todos estes aspectos estão concentrados e ampliados na fotografia de Walker, que dá à vida de Jobs uma forma altamente específica, e eu argumentaria que esta forma é um dos statements mais potentes sobre o design e a arquitectura dos últimos 30 anos.
Então o que há de errado com o ascetismo de Steve Jobs? Aparentemente nada. O ascetismo não é em última análise sobre a pobreza ou a simplicidade em si mesmas, mas estes aspectos estão entre os meios possíveis para esta prática. E ainda assim, no ascetismo perfeito de Jobs há de facto algo fundamentalmente errado e que concerne o próprio propósito do ascetismo. Como já vimos, a prática asceta coloca um ênfase capital no modo como vivemos. Ser um asceta significa estar em constante controlo de si mesmo, estar consciente do seu corpo e da sua mente e treiná-los constantemente tendo em vista o objectivo de viver segundo os próprios princípios. O ascetismo de Jobs é neste sentido um ascetismo falso - não pela razão óbvia de que este fez muito dinheiro, mas porque a forma de vida implícita no que ele ajudara a conceber e a produzir nada tem que ver com a sua própria vida. Pondo de parte a natureza orientada pelo mercado do trabalho de Jobs, que seria demasiado fácil de criticar, é a tecnologia para o qual devotou a sua vida de asceta que rompeu qualquer possibilidade de controlo de si próprio. Não quero discutir os descontentamentos da nossa era digital e terminar com um berro ludita contra smartphones, mas ainda assim há um problema fundamental com a era digital que pessoas como Steve Jobs ajudaram a trazer: a escassez dramática de atenção.
Se existe uma escassez real no mundo (que a retórica da austeridade não menciona de todo), é a escassez da atenção, que foi agora consumida por um estado de distracção permanente, conduzida por meios cada vez mais sofisticados de comunicação e de produção. Na verdade, a distracção não é má em si mesma. No interior da industrialização, a distracção sob forma de conversa avulsa, falta de foco ou daydreaming, era uma forma através da qual os indivíduos seriam capazes de se desligarem da produção e continuarem dentro de si mesmos. Mas numa produção cognitiva em que todas as fracções da nossa vida são postas ao serviço do trabalho, a distracção transforma-se numa forma de produção, uma vez que empurra as pessoas a fazerem muitas coisas ao mesmo tempo. Enquanto a capacidade de concentração em algo durante mais do que cinco minutos é dramaticamente reduzida, a dependência compulsiva da internet alimenta a produção frenética da maquinaria da web. A falta de concentração já não é causada pela preguiça, um dos pecados mortais do Cristianismo, mas por uma forma de Stakhanovismo, que nos força a trabalhar mais mesmo quando não trabalhamos de todo. Enquanto Jobs aperfeiçoou o seu ascetismo para se reger a si próprio (antes de reger rigorosamente os outros), os utilizadores dos dispositivos que este ajudou a difundir já não são capazes de se controlar a si mesmos. Mas há algo ainda mais inquietante a propósito da fotografia de Jobs, que é precisamente a sua aura espiritual, o seu aspecto pseudo-religioso, algo que informou subtilmente muito do design e da imagem de marca da Apple, assim como da vida de Jobs. Tal como com o minimalismo boutique-religioso de Pawson, e o distanciamento de Zumthor, o comercialismo está aqui envolvido com uma aura de restrição. Esta aura, esta necessidade ideológica de equilibrar a saturação do mercado com necessidades pseudo-religiosas, é precisamente a tendência que Benjamin viu emergindo da pobreza da experiência causada pela prosperidade de informação e comunicação. Com escreveu Benjamin, “Com este tremendo desenvolvimento da tecnologia uma pobreza completamente nova desceu sobre a humanidade. E o reverso desta pobreza é a prosperidade opressiva que foi disseminada entre as pessoas, ou que as inundou inteiramente - ideias que vieram com o renascimento da astrologia, a sabedoria do yoga, a ciência cristã e a quiromancia, o vegetarianismo e a gnose, o escolasticismo e o espiritismo.”3
Como vimos, a perversão do ascetismo não é simplesmente a sua tradução como ‘austeridade’ mas também o seu branding enquanto imagem, que em tempos de uma austeridade se tornou não só fashionable, mas também ideológica. E ainda assim, é precisamente porque a austeridade económica é uma economia subjectiva, aspirando a manipular a esfera ética e moral do indivíduo, que o ascetismo oferece também a possibilidade de emancipar a subjectividade desta manipulação. Se a arte e o design desempenham um papel fundamental na amplificação das conotações ideológicas da austeridade, podem eles também oferecer a pista para alternativas radicais. Como escreveu Hölderlin notoriamente, “Onde está o perigo, cresce também aquilo que salva. No interior da arte contemporânea encontram-se vários exemplos de artistas que compreenderam que a sua vida, mesmo nos seus detalhes quotidianos, é parte integrante os princípios artísticos do seu trabalho.

1. Sítio de internet “The Unknown Hipster”, “John Pawson’s Monastery in Novy Dvur”, consultado em Julho de 2013 em http:// unknownhipster.com/2012/04/12/Johnpawsons-monastery-of-novy-dvur/.
2.Andrea Phillips, “English Pastoral”, Log nº 23 (Outono de 2011), p. 81.
3.Walter Benjamin, “Experiência e pobreza” (1933), in Oeuvres II, Paris, Gallimard, 2000, p. 367.

Pier Vittorio Aureli, “Less is Enough. On Architecture and Asceticism”, Moscovo, Strelka Press, 2013, chap. 6, p. 26 – 30.



6.San Rocco
Santos e Macacos
2014

A arte minimalista parecia inofensiva: só algumas peças de metal acinzentadas com arestas vivas colocadas no chão, tijolos alinhados, pilhas de toros. A arte minimalista parecia desnecessariamente teimosa e um pouco estúpida, mas ninguém poderia pensar que viesse a fazer algum mal. Talvez não o tenha feito. E, apesar de tudo, a Arte Minimalista não tem nada que ver connosco, pelo menos não directamente.
Mas eventualmente a triste retórica da Arte Minimalista transformou-se na monumentalidade sombriamente associal da Arquitectura Minimalista. O silêncio dos macacos tornou-se no silêncio dos monges.
A arquitectura Minimalista tornou a mudez (até certo ponto complacente) da Arte Minimalista numa religião lisa, perversa. E se os macacos mantinham um instinto seguro que os protegia do ridículo e ainda se divertiam enquanto o faziam, os monges não foram tão espertos: tomaram activamente o penico de quarto como uma urna e atreveram-se a fabricar uma nova religião de autenticidade. Os ingredientes desta crua construção intelectual não são difíceis de enumerar: a arte minimalista, alguns dos aforismos patéticos de Louis Kahn e um pouco de Heidegger desnatado. A Arte Minimalista forneceu uma estética suave de volumes polidos que de alguma forma ainda eram compatíveis com a tradição do modernismo. Kahn forneceu uma noção inacreditavelmente genérica e deliberadamente confusa da “história” que foi instrumental para a produção rápida de autenticidade (de certa forma semelhante ao envelhecimento do vinho em barricas). Heidegger (mesmo sem reinterpretações Francesas porreiras e ainda usando as suas lederhosen) providenciou algumas palavras estranhas que ajudaram a criar a atmosfera certa e legitimaram a adoração masoquista dos artesãos que correspondiam ao teimoso anti-intelectualismo da Arte Minimalista.
Armados com este background intelectual inacreditavelmente limitado (e suportados por um exército de críticos que não conseguiam acreditar nos seu próprios olhos quando viram os arquitectos a abandonar as suas ambições intelectuais e a deixar o campo totalmente aberto para os esforços preguiçosos dos próprios críticos) os arquitectos Minimalistas chegaram a estas maravilhosas conclusões: “Num tempo de narrações menores: arquitectura menor!”, “Vamos saltar as coisas complicadas e fazer algum trabalho manual”, “A forma mais ridícula de produzir alguma coisa, o quanto mais se aproxima da essência do fazer”, “Uma caixa é sempre boa, particularmente se se puder passar quinze anos desenhando-a.” Esta Idolatria do objecto tornou-se no trampolim para a reinvenção do ofício num mundo pós-industrial. Os arquitectos começaram a verter betão com uma peneira, a fazer pontes a partir de palitos e a queimar montanhas de madeira no meio de salas de forma a fumar/manchar as paredes. Um novo tipo de humildade arrogante emergiu. A imprensa arquitectónica dos anos 1990 começou a ficar recheada de um género de pornografia mineral: pedras cobertas com musgo, coisas Sem Título em chãos de museus, estábulos de vacas em Uri, dezenas de fotografias de uma mão massajando a mesma maçaneta … Sem argumentos, sem piadas, apenas papel muito caro e uma simples citação repetida vezes sem conta como um novo mantra abrangendo tudo: Voll Verdienst, doch dichterisch, wohnet der Mensch auf dieser Erde.
Começou uma nova era de experimentação com materiais de construção. Parecia um novo começo, e nalguns casos até trazia algo de bom. Mas depois a redescoberta da essência esquecida dos materiais tornou-se numa espécie de estranha alquimia dirigida à tijolez dos tijolos, à betonez do betão, à madeirisse da madeira, à ferrujisse da ferrugem. Os edifícios começaram a parecer-se com amostras de materiais de construção - caixas cobertas com asfalto, caixas cobertas com gabiões, caixas cobertas de pelúcia, caixas cobertas com couro (ainda era demasiado cedo para caixas cobertas com vegetação; isso viria depois).
A dada altura a Arquitectura Minimalista ganhou, tornando-se mainstream: gelatarias, cafés, outlets de moda, cada mesa um altar, cada máquina de café um tabernáculo, cada dossier um santuário. Talvez a Arquitectura Minimalista tenha ganho porque, em suma, era barata e razoável (pelo menos quando comparada com alternativas contemporâneas como o Desconstrutivismo, a Arquitectura Minimalista tinha a grande vantagem de ser sempre quadrada ou talvez tenha ganho precisamente porque, mais do que outra coisa, encaixava como uma luva no polido universal do junkspace: uma extensão seamless de janelas de lojas que eram fáceis de limpar e substituir. A falta de qualquer sentido de escala na Arquitectura Minimalista não foi uma coincidência mas antes uma consequência da fluidez global exigida pelo capitalismo contemporâneo. A este respeito, é bastante cómico que esta suavidade perfeita tenha sido anunciada pelos artefactos crus da Arte Minimalista, e é ainda mais cómico que a completa perda de qualquer noção de detalhe, de qualquer dialéctica entre a parte e o todo, tenha sido promovida por uma obsessão fanática pelas arestas vivas. A pilha de toros de Carl Andre acabou sendo o Prólogo no Céu para pilha perfeitamente organizada de camisas Armani no roupeiro de Mickey Rourke no 91/2 weeks.
Como totem de dinheiro, a Arquitectura Minimalista é deliberadamente – e visivelmente – não-inclusiva. Mantém um desdém puritano pela luxúria e opera como um dispositivo que não admite o seu próprio esbanjamento económico. Deste modo, a Arquitectura Minimalista acaba por produzir universos hiper-caros que são no entanto hiper-monásticos para a nova burguesia, lembrando-nos que temos que fazer dinheiro, mas que  não o devemos gastar. A este respeito a pobreza do minimalismo é completamente diferente do movimento Moderno. Não há realmente nenhuma razão económica para a miséria ostentativa das casas de banho de John Pawson. Aqui, a pobreza é sobre esquecer os pobres. A sociedade é excluída do discurso e substituída por uma miríade de consumidores individuais, cada um preso num pesadelo de autenticidade.
Por fim, a vida tem significado apenas quando se traga o Jamaican Mountain enquanto se está sentado em modo café num banco talhado a partir da madeira sagrada da Floresta Negra.
A crítica da arquitectura Minimalista (e do Minimalismo em geral) não pode ser limitada a uma crítica da sua pobreza filistina que, por fim, é bastante fácil de executar. De facto, concentrar-se no lado da história da sedutora “forma mínima” é bastante irrelevante. O que realmente tem que ser entendido é a implicita “intenção máxima”, a pose teatral que acompanha e ressoa através da “forma mínima”. Na verdade, as peças banais de metal e as despidas salas quadradas apenas adquirem significado porque elas ecoam a “máxima intenção” do seu criador. Atrás de cada tijolo colocado num pavimento devemos presumir a máxima autenticidade, a mais pura pureza. A obscenidade do Minimalismo reduz-se a isto: os objectos sagrados em exposição estão embebidos em nada mais do que a vida do autor, do seu mundo mais íntimo. Este é o significado da famosa fórmula “atitude torna-se forma”.
No entanto, e muito simplesmente, a atitude não se torna em nada.
A atitude não chega. A atitude é somente um desejo ou uma frustração, e em ambos os casos é irrelevante. (A Arte não é terapia. Se estiveres triste, temos pena, mas o teu sofrimento não faz de ti um artista.) A atitude é simplesmente o espectáculo indiscreto do Ego repetido infinitamente, conquistando o palco do mundo e mantendo-se lá à espera que ninguém venha. (E claro que ninguém virá, dado que qualquer possível outro já foi declarado inimigo pela mesma postura de conflito implícito nesta atitude.) A atitude é simplesmente solidão agressiva, sentimentalismo abusivo, uma brutalidade Darwiniana/Hobbesiana a operar no vácuo.
Quando a atitude é o ponto de partida, não há forma de tomar o mundo em consideração, nenhuma forma de aceitar os outros. A Atitude é tanto egoísmo como uma forma de generosidade. A atitude não pode ser nada mais que o privado, enquanto a forma deve ter a ambição de ser partilhada.
Em arquitectura, esta atitude não especificada no entanto englobante, este desejo do autor que não é transferido para objectividade educada e generosidade calma da forma, acaba por ocupar todos os espaços, preenchendo-os com uma presença obscura. A Atitude não quer abandonar ou folgar o seu domínio sobre os objectos que produz. Como consequência, os espaços da Arquitectura Minimalista parecem ser habitados por fantasmas. Nunca se tem a certeza se se pode sentar no banco porque ele parece estar já ocupado pelas intenções. De facto, talvez os fantasmas já lá estejam e devia-se evitar magoá-los. (Ou então, para usar o jargão apropriado, esqueceste-te de verificar se estás receptivo ao convite para te sentares, ou se não te preparaste para o “estar-sentado” que deverá corresponder à disponibilidade do banco para o teu “estar-sentado”).
A San Rocco 9 pretende desenvolver a crítica do Minimalismo de forma a imaginar espaços sem intenções para lá de todos esses pesadelos.

“Editorial: Monks and Monkeys”. San Rocco nº 9, Primavera 2014, p. 3-6


Nota da Edição
Antologia de artigos publicada originalmente na revista francesa criticat nº17. A tradução foi feita por Edgar Brito e Nuno Reis Pereira a partir dos originais em inglês. Este é um suplemento do artigo “Utilitas, firmitas, austeritas”, de Pierre Chabard.

Imagens
Diagrama publicado na Revista Criticat nº17 “Mais ou menos: fortunas e infortúnios do “less is more”

Ficha Técnica
Data de publicação: 11.04.2017
Etiqueta: Arquitecturas \ espaços