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Preâmbulo
As “13 (tristes) teses sobre o turismo” foram
apresentadas no debate “Porto 20 anos
depois: Processo de turistificação de uma cidade Património Mundial”,
organizado pelo ICOMOS-Portugal no passado dia 25 de Novembro de 2016, no
Ateneu Comercial do Porto. Elas devem ser lidas como pequenas provocações para pensar não tanto o turismo (como fenómeno isolado e particular), mas a própria “cidade na era do
turismo”. A “cidade turística” como expressão ou forma particular de um novo
modo de entender e conceber a cidade: a cidade na era do neoliberalismo, da economia
neoliberal, a neoliberalização do espaço e do tempo, a precarização da vida
urbana e das relações sociais e políticas. E isso com duas consequências
fundamentais:
Primeiro: a erosão de uma certa ideia de espaço público
(na fórmula: cidade, parque temático)
– e, portanto, e em certo sentido uma apolitização/despolitização
da polis.
Segundo: a subordinação de todos os tempos e espaços da
vida quotidiana e da cidade a uma lógica de rendimento/lucro, a um puro valor
de troca (cidade-uber/cidade-airbnb). Isto é: a precarização e monetização de todas as relações sociais e urbanas. Na cidade da
era neoliberal todos são empreendedores e todos são precários: todos são emprecariadores.
E, por isso, estamos a discutir na verdade uma mudança de
paradigma na forma de ver e entender a vida em cidade ou, melhor, um
determinado tipo de co-existência em espaço urbano que se constrói agora a
partir de pressupostos muito diferentes. A crítica do turismo deve ser antes de
mais a possibilidade da crítica a esse modo particular de organizar a cidade, a
vida quotidiana sob a égide do neoliberalismo.
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1.
O turismo assenta num paradoxo: alimenta-se daquilo que
destrói.
2.
A cidade já não é o entreposto por excelência de venda de
mercadorias, mas é uma mercadoria a ser consumida entre outras. A cidade é,
hoje, uma marca registada.
3.
O turismo não é apenas um “fenómeno” ou um “problema”,
mas é um modo específico de relacionamento com o mundo e com as coisas na era
da cidade como marca. O turismo é a novilíngua dessa cidade e o turista o
seu novihabitante.
4.
Na era da cidade
como marca a cidade transformou-se num espectáculo permanente, num recinto
de entretenimento para uma pequena burguesia planetária que vê em qualquer
vivência, por mais ínfima que seja, a oportunidade última de redimir a aridez e
a tristeza da sua vida quotidiana.
5.
O turista é um coleccionador de vivências. Por isso ele
marcha rapidamente e não tem tempo a perder. A sua ansiedade é directamente
proporcional à quantidade de objectos e situações que tem de vivenciar, isto é,
de consumir. O turista faz da própria vida um bem a ser consumido. E cada
souvenir que transporta consigo é o signo Made
in China da experiência que não cessa de procurar, mas jamais consegue ter.
6.
O turismo é a vida no seu grau absoluto de separação.
Turistas e habitantes percorrem uma cidade que já não conhecem. São seres
expropriados da sua vida quotidiana remetida para o círculo do eterno retorno
das grandes e homogéneas periferias. A sua relação perdida com a cidade (que é
a relação perdida com a sua história), manifesta-se na parafernália de eventos
que invadem diariamente os centros urbanos. E eles são um sucesso porque são a
esquizo-possibilidade de uma sociabilização ausente na rede líquida do
suburbano. São a nostalgia do comum vendida e vestida na forma da animação e do
lazer.
7.
A cidade como marca
é a forma concreta da cidade debaixo da economia neoliberal: aqui, todos os
espaços e tempos da vida quotidiana e da cidade se transformam em potenciais
fontes de rendimento e de lucro. Todas as relações sociais funcionam debaixo não
de um valor de uso, mas de um valor de exposição e de troca. A hospitalidade já
não é um atributo, mas um produto.
8.
A afinidade que une habitante e turista não é a
hospitalidade – hospitalidade à la airbnb
que funciona como o papel de embrulho que oculta uma relação puramente
económica e dissimula uma máquina global financeira – mas uma secreta e mútua
complacência. Aí onde a viagem se tornou impossível é também onde o quotidiano
se tornou mais insuportável.
9.
A crítica do turismo não é sublimação das velhas
identidades e tradições, nem a consumação de falsos passados para consumo vintage e gourmet. É preciso partir das más coisas novas e não das velhas
coisas boas, dizia Brecht.
10.
A nossa relação de crítica com o turismo é a nossa
relação de crítica com uma ideia de cidade e de quotidiano há muito em
extinção. É a nossa relação crítica com uma ideia de política e de espaço, de
espaço político, que está em decomposição.
11.
Não há crítica do turismo sem crítica do modo de
organização do espaço e do tempo, dos corpos e das suas relações sociais,
culturais, espaciais, afectivas e políticas debaixo do capitalismo. Não há
crítica do turismo sem crítica de cidade e de quotidiano; crítica dos modos de
coexistência e de vida em comum. Crítica política e económica do espaço e do
tempo na cidade.
12.
Não há crítica do turismo sem a produção de uma outra
ideia de cidade. Sem um outro modo de fabricar e de reinventar o espaço
político do comum. Para além das velhas formas e de todas as novilínguas, para além da economia
generalizada e pacificada da vida sob as condições do capitalismo neoliberal.
13.
A crítica do turismo ou é a reinvenção da cidade ou não é
nada
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Pedro
Levi Bismarck
É editor do Jornal Punkto, Bolseiro da FCT e
investigador do CEAU, actualmente a fazer doutoramento na FAUP onde é
Assistente Convidado.
Imagens
1. João Abel Manta, Turistas, 1972.
2. Templo em Carnac, Egipto (Foto do autor).
3. Imagem da Marca “Porto.”
5. Porto. D’Bandada, 2015. Fotografia: Porto lazer.
6. Turistas sentados numa mesa na Praça de
São Marcos, durantes cheias em Veneza, em 2012. Foto: Associated Press.
7. Sarcelles, arredores de Paris.
8. Souvenir numa loja do Porto. Fotografia: Alamy
stockphoto.
9. Publicidade no site Airbnb
10. Disco de Fernando João, Gosto do Povo e do Sol.
11. Claire
Fontaine, PIGS, 2013
12. Claire
Fontaine, Untitled (What is freedom?),
2012.
14. Manifestação em Nápoles.
Ficha
Técnica
Data de publicação: 18.01.2016
Etiquetas: Territórios \ Cidades
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