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Estava a pensar na poesia
francesa, mais exactamente em Racine. Uma frase muito bela: “C’était pendant
l’horreur d’une profonde nuit.” [“Foi
durante o horror de uma profunda noite”]. Talvez Racine estivesse a pensar
em Trump. Talvez, por isso, seja para mim uma obrigação falar e discutir este tipo
de evento (em sentido negativo), porque é impossível para mim estar aqui à
vossa frente e simplesmente a falar em termos académicos. É necessário pensar e
discutir o que acontece durante o horror
de uma profunda noite, que foi
ontem mesmo [8 de Novembro 2016]. Para mim, e para muitos, foi uma surpresa. E como
em todas as surpresas estamos geralmente sob lei dos afectos: o medo, a depressão,
a raiva, o pânico. Mas nós sabemos que, do ponto de vista filosófico, estes
afectos não são uma boa reacção, é demasiado afecto perante o inimigo.
É necessário ir para além do
afecto, para além do medo, da depressão: pensar a situação actual, pensar a
situação de um mundo onde alguém como Trump chega a ser presidente dos EUA. E,
por isso, o meu objectivo é apresentar não exactamente uma explicação, mas algo
como uma clarificação acerca dessa possibilidade, e algumas indicações (postas
à discussão) relativamente àquilo que nos caberá fazer: e que não deve estar
debaixo da lei do afecto (ou do afecto negativo), mas deve estar sim ao nível
do pensamento, da acção e da determinação política.
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Começo como uma visão geral, não
da situação actual dos Estados Unidos, mas do mundo de hoje. Penso que o ponto
mais importante por onde devemos começar é a vitória histórica do capitalismo globalizado.
Devemo-nos confrontar com esse facto. De alguma maneira, desde os anos 80 do
século passado até hoje, temos a vitória histórica do capitalismo globalizado.
E isso por muitas razões. Primeiro, naturalmente, o falhanço completo dos Estados
socialistas – Rússia, China – e o falhanço da visão colectiva da economia e das
leis sociais. E este não é um ponto desprezável. Porque essa é uma mudança que acontece não
apenas ao nível da situação objectiva do mundo actual, mas também, ao nível da subjectividade.
Durante mais de dois séculos (até à década de oitenta do século passado) existiram
na opinião pública dois modos de conceber o destino histórico dos homens (a um
nível geral e a um nível subjectivo). Primeiro, o liberalismo, no seu sentido
clássico. Aqui, liberal tem muitos significados, mas eu tomo-o no seu sentido original,
isto é, a propriedade privada como chave da organização social, à custa de
enormes desigualdades. E, por outro lado, temos a hipótese socialista, a
hipótese comunista (no seu sentido abstracto), isto é, o fim das desigualdades
deve ser constituir o fim fundamental da actividade política humana. O fim das
desigualdades, mesmo à custa de revoluções violentas. Portanto, de um lado, a
visão pacífica da história como a continuação de algo que é muito antigo: a
propriedade privada como chave da organização social. E, por outro lado, qualquer
coisa de novo, que começa provavelmente na revolução francesa, e que é tanto a afirmação
que a existência histórica dos homens deve aceitar uma ruptura nessa longa
sequência onde as desigualdades e a propriedade privada eram a lei da
existência colectiva, como a afirmação de uma outra visão daquilo que é o destino
dos homens, que coloca em primeiro plano a questão da igualdade e da
desigualdade. E esse conflito entre liberalismo e essa nova ideia que surge debaixo
de tantos nomes (anarquia, comunismo, socialismo) é, provavelmente, o
acontecimento mais significativo do século XIX e XX.
Assim, durante aproximadamente
dois séculos, tivemos algo como uma escolha estratégica, que dizia respeito não
apenas aos eventos locais da política (as obrigações nacionais, as guerras),
mas ao destino histórico dos homens, ao destino histórico da construção da
humanidade enquanto tal. Em certo sentido, o nosso tempo (dos anos oitenta até
hoje) é o tempo do aparente fim dessa escolha. Temos hoje a visão dominante de
que não existe uma outra alternativa, de que não há outra solução. Essas eram
as palavras de Thatcher: não há nenhuma alternativa. Nenhuma alternativa excepto,
naturalmente, o liberalismo (ou na formulação actual: o neoliberalismo). E este
é um ponto importante, porque a própria Thatcher não dizia que esta era uma boa
solução. Esse não era um problema dela. O problema é que é a única solução. E,
por isso, a questão não está em dizer que o capitalismo globalizado é
excelente, porque claramente não é. Toda a gente sabe isso. Toda a gente sabe
que as desigualdades monstruosas não podem ser uma solução para o destino
histórico dos homens. Mas o argumento é “Ok, não é bom, mas essa é a única
possibilidade real”. E, por isso, penso que o que define o nosso tempo é a
tentativa de impor à humanidade (e isso à escala do próprio mundo) a convicção de
que só há um caminho para a história dos homens. E tudo isso sem nunca se
afirmar que esse é um caminho excelente, mas apenas dizendo que não há outra
solução, não há outro caminho.
Então, poderíamos definir o
momento actual como o momento de convicção no domínio do liberalismo, no
sentido em que a propriedade privada e o mercado livre compõem o único destino
possível dos homens. E isso é simultaneamente a definição de um sujeito humano.
O que é um sujeito humano? É um negociante, um consumidor, um proprietário, ou
não é nada. Esta é a definição estrita daquilo que é hoje um ser humano. Essa é
a visão geral, o problema geral e a lei geral do mundo contemporâneo.
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Mas quais são os efeitos de tudo
isso ao nível da vida política? Quais são as consequências dessa visão
dominante de um mundo onde se põe apenas uma única hipótese? Todos os governos
devem aceitar esse facto consumado: no mundo actual não se pode estar à frente
de um Estado sem aceitar essa visão única. Não temos nenhum governo no mundo
que esteja a dizer algo diferente. E porque é todos dizem o mesmo, isto é, que
o capitalismo globalizado é a única hipótese possível para a existência dos homens?
Penso que todas as decisões políticas ao nível do Estado, hoje, dependem
estritamente daquilo que eu chamo um “monstro”: o capitalismo globalizado e as
suas desigualdades. Em certo sentido, não é verdade que um governo hoje seja
livre. Não é livre de maneira nenhuma. Situa-se dentro dessa determinação
global e deve afirmar que aquilo que faz depende da interioridade dessa
determinação global. E o monstro é mais e mais um monstro. Devemos conhecer a
situação real das desigualdades. A concentração do capital é algo
extraordinário. Hoje em dia, 264 pessoas têm nas suas mãos o equivalente ao de
3 biliões de pessoas. É muito mais do que no período inicial da monarquia. Nunca
como hoje, na história dos homens, foi a desigualdade um facto com tanta
relevância e importância. E esse monstro histórico, que é também a única
possibilidade de existência da humanidade, continua a produzir uma dinâmica de
mais e mais desigualdade e não de mais e mais liberdade.
Assim, e essa é uma consequência
importante da eleição de Trump, toda a oligarquia política, toda a classe
política, tem-se progressivamente tornado parte do mesmo grupo, à escala do
próprio mundo. Um grupo de pessoas que só abstractamente aparecem divididas: Republicanos
e Democratas, Socialistas e Liberais, Esquerda e Direita…. Todo esse conjunto
de divisões é puramente abstracto e não é real, porque tudo isso se baseia na
mesmo horizonte político e económico. No Ocidente, essa oligarquia política
está hoje em risco de perder o controlo dessa maquinaria capitalista – essa é a
realidade. Por entre crises e falsas soluções todo os governos políticos
clássicos, à escala mundial, criam frustrações, mal-entendidos, raiva e revolta.
E tudo isso são reações contra esse caminho único ditado por todos os membros
da classe política. O exercício da politica actual é um exercício de ínfimas
diferenças dentro da mesma hipótese global. Mas tudo isso tem consequências nas
pessoas: efeitos de desorientação, incapacidade de orientar a vida, nenhuma
visão estratégica do futuro da humanidade. E, por isso, uma grande parte das
pessoas procura, no lado das falsas novidades, visões irracionais e retorno a
tradições mortas. Assim, à frente da oligarquia política, temos hoje uma nova
espécie de activistas, novos adeptos da violência e da demagogia vulgar, pessoas
essas que estão muito mais próximas dos gangsters e da mafia do que de políticos
educados. Assim, a escolha tem sido a escolha entre esse tipo de pessoas e o
politico educado. E o resultado tem sido a escolha legal de uma nova forma de
vulgaridade política e algo subjectivamente violento nas propostas políticas.
Em certo sentido, esta nova
figura política – Trump, mas muitos outros hoje – está próxima da figura do
fascista dos anos trinta. Há algo similar, embora sem esse grande inimigo que
era o partido comunista. É uma espécie de fascismo democrático, o que é um
paradoxo: funciona dentro do plano democrático, dentro do dispositivo
democrático, mas onde se joga algo de muito diferente. Donald Trump é racista,
machista, violento, e sobretudo não tem nenhuma consideração pela lógica e pela
racionalidade – o que é uma característica fascista. Porque o discurso, o modo
de falar dessa espécie de fascismo democrático é precisamente uma certa
deslocação da linguagem, a possibilidade de dizer tudo e o seu contrário. Com
Donald Trump não há problema, a linguagem não é a linguagem da explicação, mas é
uma linguagem que procura criar efeitos e afectos, é uma linguagem afectiva que
cria uma falsa unidade, mas uma unidade prática. Temos isso em Trump, mas já
tivemos isso com Berlusconi em Itália. Berlusconi é talvez a primeira figura
desta espécie de novo fascismo democrático, com exactamente as mesmas características.
É algo que acontece à escala mundial: o aparecimento de uma nova figura de
determinação politica que está dentro da constituição democrática, mas em certo
sentido está também fora. E a isso podemos chamar fascismo – porque era o que
se passava nos anos trinta, afinal de contas Hitler também ganhou eleições.
Assim, eu chamo fascista a esse tipo de pessoa que está dentro do jogo
democrático, mas de certa maneira também está fora: dentro e fora. E dentro
para, finalmente, poder estar fora. É, de facto, uma novidade, mas uma novidade
que está inscrita dentro da figura geral do mundo de hoje, porque para a grande
maioria isso não é uma solução, mas uma nova maneira de estar no jogo
democrático onde, do lado da oligarquia clássica, não há qualquer diferença. Em
certo sentido, o principio do efeito Trump é o efeito de algo novo. De facto,
em detalhe, não há nada de novo, porque é impossível pensar que é novo ser-se
racista, machista, etc. Mas no contexto da oligarquia clássica actual, estas
coisas velhas parecem ser qualquer coisa de novo. E, por isso, Trump está na
posição de dizer que a novidade é “Trump” quando diz coisas que são
absolutamente primitivas e absolutamente velhas e ultrapassadas. E, por isso,
estamos também no tempo onde algo como um retorno à velha existência de algo
aparece subitamente como novo. E essa conversão do novo no velho é também uma
característica desse tipo de novo fascismo.
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Tudo isto descreve a nossa
situação actual ao nível da política. Devemos considerar que estamos numa
dialéctica fatal que envolve quatro aspectos:
Primeiro: a brutalidade e a violência
do capitalismo, hoje. Podemos não ver completamente essa violência no Ocidente,
mas vemo-la, sem dúvida, em África ou no Médio Oriente. E este é um aspecto
fundamental do nosso mundo actual. O retorno àquilo que é a essência do
capitalismo: a conquista selvagem, a luta selvagem de todos contra todos pela
dominação.
Segundo: a decomposição da
oligarquia clássica política, dos partidos clássicos (Democratas, Republicanos,
Socialistas, etc.), e o surgimento de uma espécie de novo fascismo. Não sabemos
a forma futura dessa espécie de surgimento: qual é o futuro de Trump? Em certo
sentido, não sabemos e talvez nem o próprio Trump o saiba. Temos o Trump antes
do poder e o Trump depois do poder, que está de certo modo com medo, não
completamente satisfeito, porque ele sabe que não pode falar tão livremente
como antes. E falar livremente era exactamente a potência de Trump, mas agora
com o governo, a administração, o exército, os economistas, banqueiros, é uma
história completamente diferente. E, por isso, vimos durante a noite Trump a
passar de uma representação para outra, de um teatro para outro teatro. Em
qualquer dos casos, temos um símbolo da decomposição da oligarquia política clássica
e o nascimento de uma nova figura de um novo fascismo, com um futuro que não
conhecemos, mas que não parece ser um futuro muito brilhante.
Terceiro: temos a frustração
popular, o sentimento de uma desordem obscura na opinião pública de muita gente
e, principalmente, dos mais pobres, as pessoas do interior, os camponeses e os desempregados,
enfim, toda a população que tem vindo a ser reduzida, pela brutalidade do
capitalismo contemporâneo, a pouco mais que nada e que não tem existência
possível, que permanece sem emprego, sem dinheiro, sem orientação. E este é o
terceiro aspecto da situação global actual. A falta de orientação, de
estabilidade, de sentimento de destruição do seu mundo, sem a construção de um
outro mundo; uma espécie de vazio destrutivo.
E, o último aspecto, é a ausência
de qualquer estratégia alternativa. Existem muitas experiências políticas – não
digo que não se passa nada a esse nível. Conhecemos novos protestos, novas ocupações,
novas mobilizações, novas determinações ecológicas... Nesse sentido, não se
trata da ausência de formas de resistência ou de protesto, mas da ausência de um
outro caminho estratégico, isto é, de algo que esteja ao mesmo nível da
convicção contemporânea do capitalismo como única hipótese possível. É a falta
de força na afirmação de uma outra hipótese e a ausência daquilo que eu chamo uma
Ideia, uma grande Ideia. Uma grande Ideia que é a possibilidade de unificação,
unificação global, unificação estratégica de todas as formas de resistência e
invenção. Uma Ideia é uma espécie de mediação entre o sujeito individual e a
tarefa colectiva histórica e política, é a possibilidade de acção com
subjectividades muito diferentes, mas sob uma mesma Ideia.
Estes quatro aspectos – a
dominação geral do capitalismo globalizado, a decomposição da oligarquia
política clássica, a desorientação e frustração popular e a falta de uma outra hipótese
estratégica – compõe em minha opinião o quadro da crise de hoje. Podemos
definir o mundo contemporâneo no termo de uma crise global que não é reduzível
à crise económica dos últimos anos, mas que vai muito para além disso, é uma
crise de subjectividade, porque o destino dos homens torna-se cada vez menos
claro para eles.
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Depois disso, o que fazer? A
pergunta de Lenine. Eu penso que uma das razões que levou ao sucesso eleitoral
de Trump é que a verdadeira contradição de hoje, a real contradição de hoje, não
pode ser entre duas formas do mesmo mundo. Eu sei que Hillary Clinton e Donald
Trump são muito diferentes, mas essa diferença (que é importante e que é a
diferença entre a oligarquia política e o novo fascismo – e toda a oligarquia
política é menos terrível que o novo fascismo) pertence ao mesmo mundo. Isto é,
não é a expressão de duas visões estratégias do mundo. O sucesso de Trump é
possível, apenas, porque a verdadeira contradição do mundo não pode ser
expressa nem simbolizada pela oposição entre Hillary e Trump, porque ambos
pertencem ao mesmo mundo – de forma diferente, mas de forma diferente no mesmo
mundo. E, por isso, durante todo o processo eleitoral a verdadeira contradição foi
entre Trump e Bernie Sanders. Porque temos na proposta de Sanders aspectos que
estão para além do mundo tal como ele está, algo que não existe em Hillary
Clinton. É uma lição de dialéctica, uma teoria das contradições. A contradição
entre Hillary Clinton e Trump era uma contradição relativa e não absoluta; isto
é, uma contradição nos mesmos parâmetros, na mesma construção do mundo. Mas a
contradição entre Sanders e Trump era de facto o início da possibilidade de uma
verdadeira contradição; isto é, uma contradição com o mundo e com algo que
estava para além do mundo.
O resultado das eleições é, nesse
sentido, de natureza conservadora porque é o resultado de uma falsa
contradição, a continuação da crise actual. Contra Trump, não podemos desejar
Clinton ou alguém do mesmo género. Devemos, sim, criar um retorno, se possível,
à verdadeira contradição. Esta é a lição deste terrível evento. Isto é, devemos
propor uma orientação política que vá para além do mundo tal como está, mesmo
se esta é ainda pouco clara. Quando começamos algo não vemos o seu
desenvolvimento, mas devemos começar. Essa é a questão. Depois de Trump,
devemos começar. Mas não apenas resistindo ou negando. Devemos começar algo, de
facto. E a questão do início é o início do retorno à verdadeira contradição, a
uma escolha real, a uma escolha estratégica real que diz respeito à orientação
dos homens. Devemos reconstruir a ideia que é possível criar novamente um campo
politico com duas orientações estratégicas (contra as desigualdades monstruosas
do capitalismo actual e contra os novos gangsters da política como Trump). O retorno
a algo que foi ainda a possibilidade do maior movimento político do século XX e
do inicio do século passado. Filosoficamente falando, devemos ir para além do
Um em direcção ao Dois. Não uma orientação, mas duas orientações. A criação de
um novo retorno a uma nova escolha fundamental como a própria essência da
política. Se temos apenas uma hipótese, a política progressivamente desaparece
e, em certo sentido, Trump é o símbolo dessa espécie de desaparecimento. O que
é a política de Trump? Ninguém sabe. É algo como uma figura e não uma política.
Portanto, o retorno à política é por necessidade o retorno à existência de uma
escolha real. Assim, finalmente, ao nível das generalidades filosóficas, é o
retorno dialéctico ao real. Dois mais que Um. E podemos propor alguns nomes
para esse retorno.
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Como devem saber a minha visão
passa por propor essa palavra tão corrompida que é palavra “Comunismo”,
corrompida sabemos nós por todas essas experiências sangrentas. O nome é apenas
um nome, por isso estamos livres para propor outros nomes, não é um problema.
Mas temos algo interessante que está no sentido original dessa palavra. E esse
sentido é composto por quatro princípios, que podem ser o suporte para a
criação de um novo campo político com duas orientações estratégicas.
Primeiro: não é uma necessidade
que a chave da organização social tenha que estar na propriedade privada e nas
suas desigualdades monstruosas. Não é uma necessidade. Devemos afirmar isso. E
podemos organizar experiências limitadas que demonstrem que isso não é uma
necessidade, que não é verdade que a propriedade privada e as desigualdades
monstruosas tenham que ser para sempre a lei de devir da humanidade.
Segundo: não é uma necessidade
que os trabalhadores sejam permanentemente separados entre trabalho nobre (criação
intelectual, direcção, governo) e trabalho manual e existência material comum.
Assim, a especialização do trabalho não é uma lei eterna e, sobretudo, a oposição
entre trabalho intelectual e trabalho manual deve ser suprimida a longo prazo.
Terceiro: não é uma necessidade
para o homem estar separado por fronteiras nacionais, raciais, religiosas ou
sexuais. A igualdade deve existir para além das diferenças e, por isso, a
diferença não é um obstáculo à igualdade. A igualdade deve ser uma dialéctica
da diferença em si mesma e devemos recusar que em nome das diferenças a
igualdade seja impossível. Assim, fronteiras, recusa do Outro em qualquer
forma, tudo isso deve desaparecer. Não é uma lei natural.
Por último, não é uma necessidade
que tenha que existir um Estado, na forma de um poder separado e artilhado.
Resumindo: colectivismo contra a
propriedade privada, trabalhador polimorfo contra a especialização,
universalidade concreta contra identidades encerradas e livre associação contra
o Estado. É apenas um conjunto de princípios, não é um programa. Mas a partir
destes princípios podemos julgar todos os programas políticos, decisões,
partidos, ideias. Os princípios são o protocolo de julgamento relativamente a
todas as decisões, ideias, propostas políticas. Temos assim um principio de
julgamento tanto ao nível do campo politico como na construção de um novo
projecto estratégico. Isso significa ter uma verdadeira visão do que pode ser
essa nova direcção, essa nova direcção estratégica da humanidade enquanto tal.
Bernie Sanders propõe construir
um novo grupo político, sob o nome “Our Revolution” [“A Nossa Revolução”]. O
sucesso de Trump deve abrir uma nova alternativa em direcção a essa ideia. Podemos
confiar nele (pelo menos por agora), podemos julgar se esta é uma proposta que
vai para além do mundo no seu estado actual e podemos julgá-la a partir desses quatro
princípios. Podemos fazer alguma coisa. E devemos fazer, porque se não fizermos
nada permanecemos apenas fascinados, estupidamente fascinados, pelo sucesso
deprimente de Trump. “A Nossa Revolução”, porque não? Contra a reacção deles, a
nossa revolução. É uma boa ideia. De qualquer modo, eu estou deste lado.
Notas da edição
Este artigo
é a transcrição da conferência que Alain Badiou proferiu no dia seguinte às
eleições americanas, na UCLA, e publicado no site Mariborchan. Tradução para português realizada por Jornal Punkto, a
partir da versão inglesa.
Alain Badiou
Nasceu em
Marrocos em 1937 é um Filósofo Francês, ensinou na École Normale Supérieure e
fundou a Faculdade de Filosofia da Université de Paris VIII com Gilles Deleuze,
Michel Foucault e Jean-François Lyotard.
Ficha Técnica
Data de
publicação: 15.11.2016
www.revistapunkto.com/2016/11/foi-durante-o-horror-de-uma-profunda.html
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