O arquitecto e a cidade • Entrevista a Álvaro Siza por Bernardo Amaral





Esta entrevista foi conduzida em Agosto de 2013, tendo como finalidade imediata a sua apresentação no seminário organizado pelo ICOMOS Portugal sobre o Porto, Património Mundial da UNESCO e as respectivas práticas de reabilitação em curso. Para além do debate crítico sobre os modelos de reabilitação praticados actualmente na cidade do Porto, interessava conhecer o ponto de vista de alguém que conhecesse a fundo a cidade, e que tivesse observado as suas transformações ao longo dos últimos cinquenta anos. Aliado à admiração pessoal que tenho pela obra do arquitecto Álvaro Siza Vieira, propus entrevistá-lo para ouvir o que tinha a contar sobre o Porto e a sua história recente, quer do ponto de vista do arquitecto, mas sobretudo enquanto cidadão. A conversa teve início com a curta metragem de Manoel de Oliveira "O Pintor e a Cidade" (1956), onde deambulamos pelo Porto dos anos 50 através dos passeios do pintor António Cruz. A entrevista aqui transcrita é o fruto de uma hora e meia de conversa, registada em vídeo, cuja edição será concluída brevemente. 
Bernardo Amaral


Bernardo Amaral
No filme “O pintor e a Cidade” Manoel de Oliveira utiliza um pintor que observa a cidade, os seus habitantes, as suas ruas. Mas é um olhar que é sempre transformador, um olhar criador. Noutras entrevistas mencionou a importância do arquitecto em aprofundar a sua capacidade de observar, ler a cidade, o local de intervenção; uma observação feita de estímulos, subjectiva e simultaneamente transformadora e criadora.

Álvaro Siza
Essa é a aprendizagem do arquitecto há séculos. Uns iam a Roma desenhar as ruínas, outros viajavam. Corbusier foi ao Oriente, foi à Grécia, foi ao Brasil, foi ao Norte de África; isso é próprio da condição do arquitecto e um acto fundamental da aprendizagem. Corbusier dizia, quando criticava: “Des yeux qui ne voient pas”.

Bernardo Amaral
A partir desta ideia do olhar do arquitecto como um olhar transformador, que não é apenas analítico, mas também emotivo (sobretudo quando se trata da cidade que também habita), como tem sido a sua relação com a cidade do Porto desde que começou a estudar em Belas-Artes? Como era passear pelas ruas da Ribeira e do centro histórico e de que forma é que isso o marcou como arquitecto?

Álvaro Siza
É uma relação que começa muito antes da Escola de Belas-Artes, porque eu morava em Matosinhos, mas o liceu, os liceus, eram no Porto, portanto vinha todos os dias, vinha e voltava na linha 1 que era ao longo do rio. O passeio mais frequente era completamente sentado no eléctrico a ver o movimento do rio que, então, era muito intenso e.…a ler – era um tempo precioso. Nunca li tanto na vida como nesses primeiros anos, porque havia muito tempo, eram 45 minutos, portanto ou se estava a ver o que se passava lá fora ou…ou a ler.
Depois, o caminho para o local onde se aprendia era, em geral, curto. Muitas vezes, subindo Santo António ou subindo Passos Manuel ou, então, da Batalha indo para as Belas-Artes. E havia os cafés que frequentávamos – era uma altura em que os cafés tinham um desempenho importante na vida de um estudante. Na altura das Belas-Artes em São Lázaro era, sobretudo, o Majestic. Mais tarde tive escritório na Praça [da Liberdade] e os percursos eram outros. Desde então, falando particularmente do Rio Douro, houve grandes modificações. Fisicamente e topograficamente é o mesmo, mas transformou-se do ponto de vista das actividades, dos locais de habitação, da sua expansão para fora da zona do centro histórico.
Passou a haver desertificação, muita gente a sair do centro para a periferia e entrou em degradação por abandono, com muitos edifícios desabitados. Ao longo do rio, também essa actividade que eu referia modificou-se. Vinham barcos rabelos trazer as pipas ou as uvas e ainda havia muita actividade ligada à navegação. Já não era ali o porto, mas ainda havia muito movimento – aquelas barcaças negras que vinham do oriente, de Trás-os-Montes, traziam carvão e não sei que mais, embora já existisse o porto em Matosinhos, que esse é do fim do século XIX.
Mas havia realmente uma mudança muito grande – as uvas já vinham por estrada e não por barco. O centro, que tinha sido à beira-rio (a Ribeira e as ruas entre a Ribeira e o Mercado da Fruta e a Bolsa), foi-se deslocando para terrenos no interior. O que está, aliás, muito bem representado na história da ponte: a ponte, que era ponte pênsil e, antes, a ponte das barcas, portanto à cota baixa; e a ponte Luís I, em que o tabuleiro superior correspondia ao facto de a cidade se estar a desenvolver para o interior. E isto vem do tempo dos Almadas, a falta de espaço, a procura de melhores perspectivas e a deslocação de actividades para o interior e, por isso, a zona da Ribeira entrou em decadência e passou a ser um dormitório em condições péssimas, como foi até ao 25 de Abril. De maneira que a ponte reflecte esses movimentos, essa mudança de uso e de actividade na cidade. Quem viveu essa época sente muito essa transformação, o desenvolvimento de uma cidade moderna com um mercado a passar a praça central, as extensões para o interior com os Almadas e depois com a Avenida dos Aliados. Quem viveu essa transformação sente muito a diferença até à situação de hoje, que é o abandono do centro histórico, com as consequências conhecidas.

Bernardo Amaral
E quando é que começa a haver um interesse por parte da Escola de Belas-Artes na reabilitação do centro histórico? Eu sei que Fernando Távora esteve à frente de um estudo, um levantamento das condições do edificado, isto é, não só das casas, mas das condições em que as pessoas viviam na zona da Ribeira Barredo.

Álvaro Siza
Sim, fazendo um plano para a Câmara, que foi um trabalho magnífico, muito estudado. Mas, antes disso, a Escola já tinha feito um trabalho de inquérito e de levantamentos desde o geral até ao interior das casas no curso do arquitecto Octávio Filgueiras. Portanto surgiu esse interesse, que corresponde a um alargamento do curriculum da escola e dos interesses dos arquitectos e da mentalidade dos professores por temas como a sociologia, a geografia. De maneira que houve realmente esse contacto, que era também impulsionado pelas mudanças políticas que estavam em curso (a crise académica de 62 e 69) e havia um interesse não só na arquitectura, na disciplina em si própria, mas naquilo que tinha a ver com a disciplina.

Bernardo Amaral
Portanto, o olhar do arquitecto deixa de ser um olhar apenas sobre as características físicas de um edifício, de um objecto, e passa também a ser um olhar que está atento ao modo como as pessoas habitam o espaço…

Álvaro Siza
Sim, não quero de maneira nenhuma dizer que fosse uma novidade, que era a primeira vez que o arquitecto se interessava pela cidade, não é verdade. Com a História da Arquitectura vê-se que sempre esteve presente essa relação da arquitectura com o humano e o social, não é coisa nova. Mas, por um lado, lembramo-nos sempre mais daquilo que vivemos e, por outro lado, tudo isso acabou por atingir uma maior visibilidade porque se tratava em paralelo de problemas sociais e políticos enormes e, portanto, havia uma necessidade e um desejo colectivo de mudança e isso é o que dá nessa fase uma particular intensidade a esse olhar. Mas não é coisa nova na arquitectura.

Bernardo Amaral
Mas teve certamente algum impacto o facto de os estudantes conhecerem de repente uma realidade que não estava assim tão exposta.

Álvaro Siza
Alguns conheceriam, mas não conheciam com o rigor que era necessário, portanto o exercício que foi feito na escola foi exactamente de alargar o conhecimento dos problemas que existiam na cidade. Mas já antes tinha havido o programa de erradicação das ilhas, que no fundo correspondia a uma atenção aos problemas que daí vinham, embora tivessem a ver também, julgo eu, com outros interesses especulativos que visavam libertar os terrenos melhores que estavam ocupados por ilhas. No século XIX, a dada altura, 50% da população vivia em ilhas. E, já antes, na Primeira República, deu-se início a um trabalho de reconhecimento, na sequência de uma epidemia. E, portanto, esse desastre deu uma consciência muito mais aguda e partilhada das péssimas condições higiénicas que havia em certos pontos da cidade e fizeram-se alguns bairros. Mas foi um programa que não teve grande desenvolvimento. O Engenheiro Machado Vaz, que foi o seu grande impulsionador, é que chamou o Robert Auzelle para fazer um programa destinado à erradicação das ilhas e este quando chegou e conheceu a cidade disse “o que vocês precisam é de um Plano Director”! E foi o que fez. E em paralelo, realmente, fizeram-se bastantes bairros aqui no centro. Isso depois evoluiu para bairros na periferia de pequena dimensão. A deslocação das famílias que viviam no centro, nas ilhas, dividiu comunidades muito fortes em pequenas – uma ilha não tem muita gente, mas há muitas ilhas umas atrás das outras ou ao lado e, portanto, também havia essa coisa de separar para não haver problemas.

Bernardo Amaral
Dividindo para melhor controlar…

Álvaro Siza
Sim, quando começa o SAAL, essa foi uma das razões para a imediata formação das associações de moradores. Para além disso, havia uma grande revolta por essa separação forçada, o envio para a periferia (ainda com transportes deficientes) e, por outro lado, pelo ambiente nas ilhas da periferia – blocos da habitação onde o controle era apertadíssimo e onde havia uma vigilância minuciosa distribuída pelo espaço por parte da polícia política. Mas a relação que se mantinha entre os do centro e os da periferia eram familiares, entre vizinhos ou antigos vizinhos, o que deu uma grande unidade. Por razões diferentes, mas no fundo comuns. Portanto, formou-se muito rapidamente um ambiente para a acção dentro desse programa SAAL.




Bernardo Amaral
Falando do SAAL…com o SAAL, na leva de todas as vontades de mudança, há também uma alteração de paradigma político na forma de fazer cidade, mas também dentro da própria arquitectura, no paradigma disciplinar. Qual foi o sentido desse processo, tendo em conta a importância da relação cliente e arquitecto? De repente, temos esta experiência em que o arquitecto Álvaro Siza contacta com os moradores de São Vítor, com os moradores do Bairro da Bouça…

Álvaro Siza
Eu e muitos outros, porque havia várias equipas noutros pontos e relacionadas entre si, uma vez que havia um departamento central de coordenação e as próprias associações de moradores também rapidamente se associaram, portanto era um movimento que passou da resolução pontual de ilhas para o acto sobre a cidade e dos estudos sobre a cidade. É claro que nessa altura, já ia longe de mais e, portanto, o SAAL foi dissolvido.

Bernardo Amaral
Sim, foram poucos anos, mas houve bastante trabalho e houve essa mudança de paradigma disciplinar que eu acho que é importante, que é fazer a cidade com os moradores.

Álvaro Siza
Sim, para mim, e julgo que para os outros, foi a primeira oportunidade de trabalhar no centro histórico. Depois o tema da participação nessa altura era um tema internacional; um tema que estava relacionado, evidentemente, com a situação política na Europa. Portanto, não foi uma coisa que surgiu em Portugal sem se saber porquê, era muito o debate e quem propôs ao governo e formou esse serviço ambulatório tinha também muito a experiencia da América do Sul, das favelas. Havia uma junção de uma serie de conhecimentos e de situações que explica porquê que o SAAL surgiu com a força com que surgiu. Essa experiencia de participação, que na habitação social era, julgo eu, nova, porque antes havia um organismo que tratava da habitação social a nível nacional e que tinha os seus programas, os seus estudos. Por exemplo, no próprio Laboratório Nacional de Engenharia Civil havia estudos sobre a organização da casa, estudos urbanísticos, etc.., mas que não trabalhavam para gente com quem houvesse contacto. Havia um programa comum com soluções-tipo e trabalhava-se assim. Ali foi uma oportunidade de conhecer as pessoas mais directamente, debater com elas os seus problemas e procurar a resposta, fornecendo a sua formação, a sua educação como arquitecto, o que promovia, no fundo, uma mútua aprendizagem e uma troca de experiências profissionais ou não. Nesse aspecto acho que foi muito benéfico, falando agora exclusivamente da arquitectura, e acho que deixou marcas que podem estar mais ou menos apagadas, mas realmente a maneira como se encarou a habitação não tornou a ser a mesma...

Bernardo Amaral
Falando ainda de participação, reconhece que é sempre um processo de negociação, onde o arquitecto tem de sair do seu mundo para entrar num processo de diálogo e de dialéctica, mas onde a obra acaba por ser resultado e fruto desse diálogo? Eu sei que cada equipa do SAAL deve ter desenvolvido processos de negociação diferentes ou havia uma…

Álvaro Siza
Não, havia uma coordenação, o que não quer dizer (e aconteceu muitas vezes) que em vez de coordenação era discussão, porque havia posições diferentes. Havia a atitude das brigadas que entendiam que não era aconselhável, não era correcto, iniciar a construção muito cedo, porque isso não deixava desenvolver devidamente o debate com as populações e, portanto, era por alguns considerado como “pôr o carro à frente dos bois”. E havia outros casos em que se sentia, e isso tinha a ver com as próprias associações, uma urgência de marcar a ocupação de terrenos; e aí houve muita polémica, muito debate, muita luta, mesmo e, portanto, era necessário iniciar a construção com um não tão prolongado debate, até porque este continuava durante a construção. Não se estava sujeito a “faz-se este projecto e este projecto não pode ser nada mudado”, como sucede hoje. E havia outra flexibilidade na acção. E, além disso, o não iniciar a construção tinha um perigo que se verificou depois – o tempo de duração foi muito curto e houve associações, sítios, onde não se chegou a fazer nada e onde foram perdidos os terrenos que estavam destinados com um processo devidamente legalizado. De maneira que havia posições diferentes, mas esse debate era para todos enriquecedor, quer dizer, a ideia contrária contém sempre qualquer coisa que permite aprofundar e submeter à dúvida a ideia própria. Nesse aspecto foi um período muito rico…

Bernardo Amaral
Como era a discussão? Foi sobretudo através de maquetes, imagino…várias maquetes, várias escalas?

Álvaro Siza
Bem, apresentava-se o projecto, conforme a dimensão das associações, mas, por vezes, com grandes assembleias com 300 pessoas. Isto era quase diário. Chegou-se a fazer, pelo menos em São Vítor, uma maquete no salão em tamanho natural, com caixotes, cobertores, etc…, onde as pessoas pudessem entrar e apreciar, fazer a sua crítica, dar a sua opinião…. É interessante, porque mais tarde eu tive na Holanda um trabalho que tinha algumas semelhanças, sobretudo nesse aspecto de programa organizado com participação das populações e onde se fez maquetes em tamanho natural. Mas era numa nave que o governo de Haia tinha feito especialmente para isso, onde havia uns elementos modulares que permitiam construir até dois pisos. Portanto, a visita e a opinião das pessoas era posta aos projectistas, de uma forma mais organizada, com grande assistência – era uma zona de imigração, 50% eram imigrantes, portanto uma zona onde existiam conflitos e problemas. Mas o apoio era muito organizado através de assistentes sociais, com tradução, porque havia várias língua. Mas, na medida em que era muito organizado, era também menos rico no debate aberto e directo, era muito mais controlado.




Bernardo Amaral
Depois, com o fim do SAAL há um retrocesso, há uma nova mudança de política e regressa-se à ideia de habitação social como o desenho de habitação plurifamiliar mais ou menos tipificada, sem cliente…

Álvaro Siza
Sim, não foi assim um corte radical porque as associações foram obrigadas a constituir-se como cooperativas e, portanto, há um prolongamento do trabalho que estava a ser feito. É claro que isso se foi modificando, na medida em que o debate mesmo interno entre os habitantes mudou muito, porque já não eram os habitantes de um lugar, que se conheciam, etc…; mas as cooperativas estavam abertas a quem quer que se inscrevesse e, portanto, houve gradualmente uma modificação num sentido, não digo, oposto, mas menos evidente, menos concreto em relação ao debate com as populações. O que era também inevitável. Não é possível considerar que a cidade se fosse transformando ad aeternum através da participação com determinados grupos, mesmo havendo coordenação e as suas federações de associações. O que se passou acompanhou a evolução política, com o que isso teve de bom e, principalmente, de mau.

Bernardo Amaral
E é nessa altura que o CRUARB se forma, passando nos anos 80 para a Câmara Municipal do Porto.
Álvaro Siza
Não, nos anos 80 há um saneamento político, portanto quem estava a desenvolver esse trabalho foi posto fora e houve uma substituição de equipas e de estratégia, como é natural.

Bernardo Amaral
Que dará origem, e era aí que queria chegar, à expropriação de um grande número de famílias que viviam na Ribeira e que foram colocadas no Aleixo, no bairro do Aleixo.

Álvaro Siza
Sim, mas esse processo vem do início, porque havia um excesso de população – havia gente que pagava para dormir nas escadas, num degrau de escadas. Portanto, um dos trabalhos, de resto iniciado já nesse Plano do Arquitecto Távora anterior a 74, era um inquérito, com dados suficientes, para ver quem queria e precisava mesmo de sair dali, porque havia gente que trabalhava noutras zonas e que estava ali por não ter outro recurso. Portanto, houve um estudo no sentido de ver quem estava a ponto de mudar, sem que isso fosse violência nenhuma, e uma articulação com o que se passava noutras zonas, para ver para onde deslocar essa gente que voluntariamente queria sair dali e, depois, havia os outros que queriam realmente ficar; cortando-se com o domínio absoluto dos “subalugas” – como se chamavam na altura –, que exploravam aquela gente, alugando dia-a-dia um degrau da escada para dormir. Portanto, houve todo esse trabalho, para além dos projectos, da execução dos projectos, que assentava muito numa ideia de recuperação e manutenção da atmosfera e ambiente físico da Ribeira. Isto foi também anterior à formação do gabinete do CRUARB, porque o passado próximo era o Plano Director do Auzelle onde havia uma estratégia completamente diferente, em que o tema da recuperação estava ainda muito ligado ao Plano Voisin do Corbusier, que demolia Paris toda, deixando só uns monumentos. O que era evidentemente um manifesto. Não era a ideia de cidade do Corbusier, no meu entender não era, e há muitas provas disso, e evolui com o tempo, mas era um manifesto sobre as condições de miséria em que se vivia em algumas cidades.

Bernardo Amaral
Mas também em relação a essa questão delicada que é o “direito à cidade”, um livro escrito pelo Lefebvre, e que marcou na altura o discurso sobre a cidade – essa ideia que o centro histórico está praticamente desertificado da sua população original, que foi basicamente colocada em bairros sociais da periferia…

Álvaro Siza
Também da população que foi morrendo…

Bernardo Amaral
Mas concorda com esse processo, é inevitável? Há uma alteração radical também da atmosfera da cidade ao mudar a sua população, ao fazer esta operação quase de…

Álvaro Siza
Tal como disse em relação ao CRUARB, havia a necessidade de equilibrar em termos de densidade, criando zonas fora do centro histórico que suportassem esse aumento de população. Portanto, esse movimento é normal, é compreensível. A maneira como foi sendo executado é que já é menos compreensível, porque levou a um ponto em que o que aconteceu foi a desertificação. O Porto hoje tem a mesma população que tinha nos anos 30, houve um exagero que tem a ver com interesses conhecidos e, portanto, deu-se essa disseminação, criando muitos problemas de acesso ao trabalho, trânsito e etc.., inevitáveis, seguramente, mas não controlados, isto é, de uma forma não controlada e muito submetida, creio eu, a interesses específicos. E, hoje, há um desejo latente de movimento inverso. O que há é muitas casas, ruas inteiras abandonadas, destelhadas, em degradação e não houve a capacidade de criar um movimento que se oponha a isso ou substituir isso por outra estratégia.

Bernardo Amaral
Inclusive muitas dessas casas são do domínio camarário, da propriedade da Câmara.

Álvaro Siza
Propriedade da Câmara, propriedade de bancos, propriedade de companhias de seguros e, portanto, é verdadeiro o argumento utilizado que muitos senhorios com as rendas que existem, que tinham, não têm sequer capacidade para recuperar as casas. Mas isso é uma parte. Depois, há muita propriedade de quem tem capacidade e a quem deveria ser aplicada a legislação que existe, obrigando os proprietários a fazerem obras e a manter…Isso é das coisas mais patentes hoje e não é só no centro do Porto, é em Portugal, que é o abandono do hábito da manutenção. Uma manutenção quotidiana que não é cara, que pode não ser cara. Isso é um facto em todo o país. Eu estive há dias nos Açores e uma coisa que me impressiona – estive em Angra do Heroísmo – é que não se vê uma casa mal pintada. Estão absolutamente impecáveis, tratadas e habitadas; mas, depois, na estrada ao longo do território da Terceira, olha-se à volta e o que mais há é casas a cair ou casas que não recebem há vinte ou mais anos uma pinturinha. Uma coisa que se vê, que é evidente na Holanda é que quando chega a Primavera começa a ver-se por toda a parte pessoas a pintar os caixilhos das janelas e tal…são os próprios moradores a pintar. Há muito essa auto-manutenção que aqui se perdeu completamente e que era tradicionalmente uma realidade – no Alentejo, por exemplo, havia gente que caiava o pátio todas as semanas. Claro que isso tem a ver com outras mudanças muito profundas; em geral, eram as mulheres que faziam esse serviço de manutenção, hoje as mulheres trabalham. Portanto, há transformações que têm uma raiz muito positiva, mas há uma descompensação que se compreende, porque mudaram de uma forma bastante rápida… Agora, o que não se vê ainda é uma tendência para que haja uma consciência em relação ao que custa ao país e a cada pessoa deixar as construções degradarem-se.

Bernardo Amaral
Sim, podiam haver mecanismos legais que evitassem…

Álvaro Siza
Mecanismos legais existem, não são é aplicados…

Bernardo Amaral
Há, de facto, muito trabalho para fazer no centro histórico do Porto, cidade classificada Património da UNESCO, mas também há casos, como Guimarães, onde o GTL tem desenvolvido um trabalho intenso e pormenorizado de recuperação de técnicas de sistemas construtivos antigos, convocando construtores, conseguindo assim manter a tradição de uma certa forma de construir. Quando tenho a tarefa de recuperar um edifício no Porto, faço a minha pesquisa, mas não há qualquer tipo de informação fornecida por parte da Câmara ou um gabinete de apoio…

Álvaro Siza
Existe um gabinete, creio eu, agora o que não vejo que exista é uma estratégia que dê indicações precisas, porque no Porto há muitas zonas que são unitárias. Ruas, por exemplo como a Rua do Almada são parte de um projecto único, um pouco como a baixa pombalina, mas numa escala bem mais pequena, mas com os mesmos princípios. A arquitectura pombalina, mesmo a que foi feita já no principio do século XX, é a aplicação das mesmas regras, como um grande edifício pré-fabricado e realmente prefabricado porque as coisas eram feitas fora de Lisboa. Tem que haver uma regra e não faz sentido modificar a arquitectura que existe ali, a não ser quando há realizações que, pela sua própria natureza, sejam muito fortes.
Há sim que optimizar aspectos do conforto, isolamentos, etc.., mas havia uma regra, no caso do Chiado essa regra foi recuperada, e em ruas como a Rua do Almada há que encontrar esse lugar comum de condições e dar isso como adopção e indicação aos diferentes projectistas. Não pode ser a livre iniciativa, não resulta, quer dizer não corresponde aos objectivos que são anunciados e em muitos casos põe em questão a própria classificação da cidade, que ainda não aconteceu, julgo eu, porque, entretanto, foram tantas coisas e cidades classificadas que a UNESCO já não tem controlo sobre isso. Mas eu lembro-me que em Angra depois do terramoto (onde se fez uma recuperação de grande qualidade), quando começaram a aparecer uns desvios, foi lá um delegado da UNESCO e ameaçaram retirar a classificação. E realmente foi eficaz essa intervenção da UNESCO, porque quando estive lá vi em Angra, que conheço bem, toda a solidez do que foi a cidade e isso não representa menos vitalidade. Assisti lá, por acaso, acho que acontece semanalmente, a um concerto de jazz com um grupo magnífico de lá, músicos de lá, e havia animação na rua genuína e não esta coisa elementar: “vamos animar a cidade e fazer isto e aquilo e meter barracas aqui e ali” …não, é animação genuína que vem das pessoas e não de iniciativas pontuais.




Bernardo Amaral
Recentemente, sobretudo desde que se criou a empresa municipal Porto Vivo, há uma grande mudança política na forma de fazer cidade, apoiada na ideia da iniciativa privada com pouca coordenação a nível de investimentos públicos, espaço público. Há esta ideia que, aliás, é generalizada, de que o mercado dita a cidade, faz a cidade. Nesse sentido, o Porto tem-se tornado e tem apoiado a sua reabilitação quase só virada para o turismo. Neste processo de turistificação da cidade não corremos o risco de desvirtuar completamente o centro histórico?

Álvaro Siza
É claro. A tendência para o artificial, para um ambiente artificial está aí presente. O turismo, sim senhor, é óptimo para a cidade, e óptimo para toda a gente, inclusive para os turistas, mas não pode constituir objectivo único, sob pena de passado algum tempo, nem turisticamente ser interessante. Mas a iniciativa privada, a construção por iniciativa privada, por exemplo no Chiado, aconteceu. Ali não houve expropriações e cada proprietário pôde escolher o seu arquitecto e idealizar as obras (e havia subsídios para o efeito), mas o que havia era uma estratégia precisa e indicações até ao pormenor, precisas, como exige um compacto enorme edifício como é a Baixa-chiado. E funcionou. Agora, a iniciativa privada, sem uma estratégia estabelecida, sem coordenação, etc…os resultados acho que estão à vista. Nalguns casos de forma clamorosa.

Bernardo Amaral
Não quero levantar polémicas políticas, mas não consigo deixar de ficar indignado com o exemplo da Praça das Cardosas, que foi apresentado recentemente como um modelo de reabilitação.

Álvaro Siza
Bem, isso é uma catástrofe. E é melhor não falar porque é uma catástrofe, acabou…e é de esperar que não se repita.

Bernardo Amaral
Vê na reabilitação do centro histórico do Porto, e esperando uma mudança política que permita isso, uma boa oportunidade para que os jovens arquitectos em vez de emigrarem possam dedicar-se a reabilitar o tecido urbano e aprender com isso? Porque falamos de um processo de aprendizagem de linguagens do século XVIII e XIX, de sistemas construtivos…

Álvaro Siza
Bem, é também uma aprendizagem do que é a coerência na construção, a coerência construtiva. Se analisarmos uma dessas casas do século XVIII e XIX no Porto, realmente nada é por acaso ou por capricho. É um sistema estudado, por muita gente também, mas com uns princípios estabelecidos, às vezes por zonas, que funcionaram bem, em termos de qualidade de vida. Que me lembra aquela zona ali, perto da Escola de Belas-Artes, Duque de Terceira, Duque de Saldanha e tal, foi um desenvolvimento da cidade com uns princípios muito firmes e eficazes que deram uma enorme zona residencial de qualidade. Eu tive escritório numa dessas ruas e lembro-me, por exemplo, que o interior dos quarteirões era um jardim maravilhoso. Dividido em lotes, havia vários proprietários, mas a maneira como eram tratados e executados esses jardins faziam do Porto – como se vê na planta de 1890, salvo erro – uma cidade-jardim. Mas era realmente uma cidade, desse ponto de vista, muito saudável e isso porque havia determinadas características que eram lançadas e observadas. A diferença, sim senhor. Mas a diferença na cidade vem muito, como eu dizia há pouco, da própria natureza do trabalho em questão. Na cidade há edifícios que têm um papel importante, universal. No século XVIII seriam as igrejas e os conventos, mas hoje há outras coisas, há serviços públicos ou edifícios de uso público e naturalmente emergem pela dimensão, pela intensidade de uso e no tecido da cidade.




Bernardo Amaral
Então qual seria a sua visão da evolução da cidade do Porto, no que toca ao centro histórico.

Álvaro Siza
Não tenho funções na cidade do Porto que me permitam ter uma visão aprofundada dos problemas e da forma de os resolver. A única coisa que posso dizer, já disse, é não haver uma estratégia global, uma coordenação efectiva – não é fiscalização, é coordenação – e princípios claros em relação às diversas zonas e à sua relação entre elas e à relação com o exterior do centro histórico – sem esses princípios não funciona. Eu não sei, não dou conselhos sobre isso. Agora vejo, por exemplo, em relação ao rio Douro. O rio Douro desde o mar até lá acima tem encostas quase em sequência absoluta onde o tratamento, em geral, é por plataformas, desde a plantação da vinha até aos jardins da cidade do Porto. Neste momento, o que está indicado no plano e o que está a ser aplicado é isto: há um rio, há uma fachada, outra fachada com 6-7 pisos e, aqui atrás, a encosta assim…. Ora bem, isto é um principio estabelecido, pelo que tenho visto é o plano que indica este tipo de actuação. Na minha opinião, é um desastre absoluto, com consequências. Portanto, nem se pode dizer que não há princípios ou estratégias. Às vezes há, ou podem ser, pelo menos na minha perspectiva, resultado de uma má opção. 

Bernardo Amaral
Fazem-me constantemente esta pergunta: “Como é possível que a Ordem dos Arquitectos ou a Faculdade de Arquitectura do Porto não se pronuncie, posicione?”

Álvaro Siza
Não sei se não se pronuncia. Uma Faculdade tem muita gente, hoje. Alguns pronunciar-se-ão, outros não. O que sei é que a Ordem dos Arquitectos tem, actualmente, pouquíssimo poder. A Ordem dos Arquitectos não consegue opor-se a uma coisa tão prejudicial como a liberalização das condições de trabalho do arquitecto, com o que isso traz de concorrência. Não consegue opor-se a isso. Mais ainda, há indicações, não só na construção como até nos projectos (já não terá muito a ver com a OA), em que nos concursos se valoriza (e tudo é por concurso, praticamente tudo), muito o custo, o valor dos honorários. Então na construção as consequências estão à vista e são gritantes. Neste momento, os construtores apresentam preços 30 a 40% abaixo do custo que é possível calcular em qualquer construção e depois a meio param. Está a suceder em barda, aqui, em Espanha, também. São questões que vêm da Comunidade Europeia, instruções da UE. Olhe, neste aspecto, a Alemanha não aceitou. A Alemanha tem as suas instruções de honorários mínimos para isto e para aquilo…E nós aceitamos, nós temos aceite tudo com grande afabilidade. A OA nem isso controla, nem o movimento que está em curso de alargar a responsabilidade de assinar projectos de arquitectura a engenheiros. Foi uma luta de anos e anos, conseguir isso, na qual se saiu bem a OA. Porque as regras de trabalho eram muito precisas, honorários de engenheiros, de diversas especialidades, honorários do arquitecto…e tudo se dava como Deus com os anjos e a coordenação fazia-se sem imposições, mas, naturalmente, em interdisciplinaridade. Este é um aspecto de fundamental importância. Não é muito interessante estar a falar de problemas de dinheiro, mas que eles existem, existem… Não sei, não vejo também que tenha grande influência sobre o que se faz na cidade, nesta cidade.

Bernardo Amaral
Mas queria voltar a perguntar, mais uma vez, sobre esta relação dos arquitectos com a cidade e agora falando da nova geração de arquitectos, que são bastante mais numerosos do que há 50 anos atrás, houve realmente um boom de arquitectos... Não acha que todo este interesse renovado sobre as questões da participação, sobre a ideia de cidade, não pode ser também uma oportunidade de participação na reabilitação do centro da cidade do Porto?     

Álvaro Siza
Pode ser e é, com os limites que sabemos em relação a jovens e velhos arquitectos. Mas acho legítimo dizer que houve um enorme exagero na formação de arquitectos. O que é compreensível, porque anteriormente quase que não havia arquitectos. Houve um boom na formação e arquitectos, basta dizer que em Portugal existem, julgo que ainda existem, 34 escolas de arquitectura. Em Espanha, que se queixa de excesso, existem 34 escolas de arquitectura, em Itália existem 25, na Dinamarca 2, de modo que houve realmente um descarrilamento nas previsões da possibilidade de intervir e, portanto, não há trabalho para todos. Muitos estão a sair do país e, de um modo geral, dos casos que eu conheço, são bem recebidos, porque é um facto que a formação dos arquitectos em Portugal sofreu uma melhoria significativa. Nalguns países têm condições de trabalho muito boas, noutras têm piores condições, porque a emigração é sempre explorada também. Mas há outras dificuldades, veja-se o caso dos concursos, quando são edifícios “mais difíceis” – o que é, diga-se, uma consideração curiosa, porque todos os edifícios são difíceis – onde o curriculum em relação ao caso específico tem um peso na apreciação dos concorrentes. Por exemplo, se há um hospital a gente nova não tem condições de ir a concurso, pois nunca fez um hospital, não têm experiência e são afastados. Isso é cortar logo as pernas à nascença, porque tem de haver sempre uma primeira experiência. De maneira que há assim uns mitos adoptados, como o da “especialização”, que não fazem sentido nenhum, pelo menos, falando de arquitectura. A juntar a muitos outros mitos, como há arquitectos bons para hospitais, há arquitectos que só são bons para museus, há arquitectos que só são bons para casas, e por aí fora, o que é um absurdo tremendo, porque na cidade há edifícios públicos e há casinhas e estão ombro a ombro. Quem não tem experiência numa escala tem dificuldade na outra escala e vice-versa. De maneira que há uma série de coisas lançadas, não só em Portugal, que são prejudiciais em relação à arquitectura e em relação às novas gerações. Para não falar da dificuldade em manter aberto um escritório nos dias de hoje.

Bernardo Amaral
Talvez passe mais pelos arquitectos se organizarem e talvez trabalharem de uma forma mais unida e não tanto cada um para seu lado…

Álvaro Siza
Não é assim tão fácil. Já não é possível um CIAM nos dias de hoje com a Madame não sei quê a convidar todos os arquitectos e formar um grupo coeso, com capacidade de divulgação e tal…Isso hoje não é possível. É muito mais complexo do que isso. Com isto não estou a dizer que sim, o trabalho comunitário em volta da OA, se tiver uma existência real, naturalmente que tem o seu interesse e não se compara com corporativismos…


Álvaro Siza
“Nasceu em Matosinhos em 1933. Tornou-se arquitecto em vez de escultor, para não contrariar o pai. Iniciou a actividade profissional durante os anos de Escola, por falta de paciência para apenas estudar. Paralelamente trabalhou com o arquitecto Fernando Távora, pelo que continuou os estudos. Empenhou-se num projecto colectivo da época: não ser tradicionalista e não ignorar as raízes. As primeiras obras foram geralmente mal recebidas, por estranhas, quando não demasiado modernas (o que o espantou). Iniciou a actividade como professor na Escola de Belas-Artes do Porto. Trabalhou para Associações de Moradores, no pós-Revolução 25 de Abril, vivendo um intenso processo participado. Foi estimulante, criativo e rapidamente impedido. Aceitou convites de outros países. Os primeiros trabalhos em Berlim não agradaram, por não corresponderem à expectativa. Recebeu, contudo, vários prémios internacionais, e por isso convites para trabalhar em Portugal, seguidos de crítica e da classificação de “estrangeirado”. É com frequência considerado lento e pouco enérgico, o que não deixa de ser verdade. Solicitam-nos para júris, concursos, recepções, conferências, exposições e hipóteses de trabalho. Quando tem continuidade, o trabalho transforma-se numa espécie de corrida de obstáculos. Mantém, contudo, intacta a paixão pela Arquitectura. Tem um pouco secreto deseja de a abandonar, para fazer ainda não sabe o quê”.
Nota Autobiográfica in “Imaginar a Evidência”, Edições 70, Porto, 2000.

Bernardo Amaral
Bernardo Amaral (1977) é arquitecto com atelier no Porto, dedicado sobretudo a projectos de reabilitação e reconversão (BAAU). Iniciou recentemente uma investigação de doutoramento em metodologias de projecto de práticas arquitectónicas actuais que buscam, através dos seus modos de projectar, redefinir a relação do arquitecto com a sociedade.

Notas da edição
Entrevista realizada em Agosto de 2013. Transcrição realizada por Bernardo Amaral. Revisão e edição do texto de Pedro Levi Bismarck. Publicado originalmente e em exclusivo no Punkto.

Imagens
Imagem de capa: Álvaro Siza. Vídeo da entrevista. O vídeo tem imagem de André Gil Mata, som de Joana Gusmão e edição de Mariana Bacelar.
Imagens 1: Manifestação em 1975 (Fotografia: Alexandre Alves Costa)  
Imagem 2: Álvaro Siza, Bairro de São Vítor, Porto.
Imagem 3: SAAL, Assembleia de moradores, Porto.
Imagem 4: Exposição “NEIGHBOURHOOD: Where Alvaro meets Aldo” comissariada por Nuno Grande e Roberto Cremascoli. Pavilhão Português na Bienal de Veneza 2016 (© Laurian Ghinitoiu)
Imagem 5 e 6; Álvaro Siza. Vídeo da entrevista.
Imagem 7 e 8: Projecto de requalificação da Avenida Afonso Henriques, Porto, 2000 (Fonte: “As cidades de Álvaro Siza”, Figueirinhas, 2001).
Imagem 9: Álvaro Siza (© Sarah Drouet).

Ficha Técnica
Data de publicação: 20.09.2016
Etiqueta: Arquitecturas \ Espaços, Álvaro Siza, Bernardo Amaral


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