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Um grupo informal de Lisboetas juntou-se à volta de uma
preocupação comum: a percepção de uma abrupta alteração das dinâmicas da cidade
de Lisboa e sobretudo da grande subida do preço da habitação. Começaram por
conversar casualmente sobre o que os preocupava. Essas conversas tornaram-se
mais regulares. As inquietações comuns tornaram-se mote para a organização de
um debate à volta do tema. Convidaram-se alguns especialistas para connosco
debater este tema a partir de um texto de trabalho redigido colectivamente e de
algumas questões-chave. O texto realizado pelo grupo organizador do debate
encontra-se aqui . Com Manuel Graça Dias, José Manuel Henriques, Pedro Bingre
do Amaral, João Seixas, Joana Gorjão Henriques.
Trienal de Arquitectura
Segunda-feira, 6 de Junho, 18h30
Campo Santa Clara, 145
1100-474 Lisboa
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O Estado adoptará
uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o
rendimento familiar e de acesso à habitação própria.
Ponto 3 do artigo
65º da Constituição Portuguesa
Um grupo informal de habitantes da cidade de
Lisboa juntou-se à volta de uma preocupação comum: a percepção de uma abrupta
alteração das dinâmicas da cidade e sobretudo da grande subida do preço da
habitação. Começaram por conversar casualmente sobre o que os preocupava. Essas
conversas tornaram-se mais regulares. As inquietações comuns tornaram-se mote
para a organização de um debate à volta do tema. Das conversas e de alguma
pesquisa foi escrito, a várias mãos, o texto abaixo.
A grande intensificação do turismo em Lisboa
tem implicado transformações significativas na vida de quem nela habita. Muitas
são positivas, mas o que verificamos de forma empírica é que o saldo é negativo
para a larga maioria que vive (n)a cidade. O que nos preocupa ao ponto de nos
juntarmos para propôr o debate e procurar soluções, é aquilo que consideramos
ser a mais devastadora das transformações de que falamos: o brutal aumento dos
valores da habitação, com especial incidência no centro histórico alargado da
cidade de Lisboa. Grande parte dos residentes, sem capacidade económica para
enfrentar esta subida, está a ser forçada a deslocar-se para bairros cada vez
mais periféricos. As zonas mais centrais da cidade parecem estar a tornar-se morada exclusiva dos mais ricos e
de habitantes temporários.
É incontornável que Lisboa vive um pico de
projecção internacional; que as receitas do turismo podem contribuir para a
recuperação económica do país; que este pode ser motor de reabilitação urbana
do património arquitectónico e contribuir para a criação de emprego. Mas a
aparente ausência tanto de uma
estratégia de planeamento como da avaliação dos seus impactos, a par da
quase inexistente regulação do processo, tem consequências avassaladoras. Urge
estancar a sangria do centro histórico da cidade e regular a actividade
turística para que sirva os interesses da cidade, de quem a habita e de quem a
visita.
De uma breve análise da informação pública
sobre o turismo em Lisboa emergem dados reveladores: o número de apartamentos em regime de
alojamento local não pára de aumentar, tendo a Associação do Alojamento Local de Portugal (ALEP) calculado
que surjam 200 alojamentos locais por mês em Lisboa; 40 novos hotéis têm
inauguração anunciada para 2016 e 2017; milhares de pessoas compraram casa em
Lisboa devido à Lei das Autorizações de Residência para Actividade de
Investimento (só de nacionalidade francesa, calcula-se que sejam 25 mil as
pessoas que adquiriram ou arrendaram casa em Portugal). Estes dados indiciam
algumas das causas da subida de preços da habitação.
Propomos com este texto não uma desconstrução
dos processos económicos e políticos que subjazem à emergência do turismo, mas
um debate sobre os modos de como pode este ser regulado de forma a que os que
na cidade habita(va)m, nela possam
continuar a viver; ou seja, que os preços da habitação sejam compatíveis com o
rendimento familiar dos habitantes.
Vamos começar por traçar um panorama da situação
e compará-lo com o de outras cidades; de
seguida analisar as suas causas e consequências; e por fim propor um conjunto
de possíveis medidas concretas para
conter este fenómeno.
1.Fonte: site https://www.airdna.co. Listagens do
Airbnb disponiveis em Maio de 2016
Diagnóstico
Ao longo dos últimos 3 anos assistimos a
grandes aumentos nos preços do arrendamento e compra de casa em Lisboa, com
particular incidência no centro da cidade. Sabendo que as transformações
recentes da cidade afectam não apenas o centro, mas implicam uma reconfiguração
geral da metrópole, vamos cingir-nos por agora a este “centro”. Contamos
posteriormente alargar a análise.
A subida do valor do imobiliário nas
freguesias mais centrais (Misericórdia,
Santa Maria Maior e São Vicente), resultante do aumento do valor de
venda, foi de 12,5% em 2013, tendo atingido os 22,3% em 2015. Contando com o
recuo de 1,3% de 2014, assistimos a um aumento de 33,5% em 3 anos. O que não
quer dizer que estas subidas se façam apenas sentir no centro: entre 2014 e
2015 o preço da habitação para arrendamento subiu em média 7,6% em Lisboa, quando
no resto do país ficou pelos 0,8% [1]. Basta abrir o site de qualquer
imobiliária para perceber o absurdo a que chegaram os valores de arrendamento e
compra, num país em que o salário mínimo é de 530 euros: com menos de 600 euros
dificilmente se aluga um T1 e com menos de 200 mil euros é quase impossível
comprar um T2.
Em tempos de “austeridade”, numa altura em
que o rendimento da maior parte dos residentes e trabalhadores da cidade
diminuiu ou não aumentou significativamente, esta subida de preços da habitação
resulta, parece-nos óbvio, da pressão exercida pela actividade turística,
nomeadamente através do redireccionamento da oferta imobiliária para habitantes
temporários. Pois, se é inegável que - por uma série de razões diversas, como o
refluxo do turismo e das indústrias de serviços do Magreb e da Tunísia - Lisboa
vive um pico de projecção internacional e que o turismo tem sido apontado como
uma forma de ajudar a equilibrar a economia do país, interessa pensar como
aproveitar este pico e quais as formas de o sustentar. Ou seja: urge pensar em
todos os tipos de novos habitantes que acabam por surgir quando uma cidade
alcança a projecção que Lisboa está a ter
e no impacto que a sua vinda exerce sobre a cidade e os seus residentes
mais permanentes.
Enfrentamos um grave problema de acesso à
habitação no centro da cidade, que evidentemente se estende aos restantes
bairros da cidade.
O centro da cidade está a transformar-se num
lugar esvaziado de habitantes permanentes, de Lisboetas (no sentido alargado e
transnacional que Sérgio Tréfaut [2] inscreveu no seu filme homónimo), com os
moradores a serem pressionados a saírem das suas casas, contratos a não serem
renovados ou subidas de rendas impossíveis de pagar.
Trajectória
recente de Lisboa
Sabemos que o centro de Lisboa sempre foi um
território partilhado por diferentes classes sociais.
É certo que os mais ricos viviam em casas
maiores do que os mais pobres, é certo que alguns bairros tinham zonas melhores
do que outras, e também é sabido que o congelamento das rendas, herdado do
tempo do Estado Novo, muitas vezes criou situações anacrónicas. Mas
concretamente o que tínhamos, até há poucos anos, era uma situação única para
uma capital: um espaço público partilhado.
Hoje caminhamos para um modelo de cidade (já
temos?) exclusiva dos turistas e dos muito ricos.
A quem
acha que era inevitável esta transformação da cidade, acompanhada pela forte
subida de preços no imobiliário, porque aconteceu em todas as capitais,
respondemos que é exactamente por sabermos que aconteceu, e como aconteceu, que
não era de todo (não é?) inevitável. Tínhamos a experiência e conhecíamos
soluções de outras cidades que lidam com estes problemas há décadas.
Eventualmente o fenómeno do alojamento local por reserva online, que foi mais
ou menos transversal e simultâneo aos vários países, terá surgido sem
pré-aviso. Mesmo assim, várias cidades já definiram modelos de regulação
para este fenómeno, no sentido da defesa
da habitação permanente.
Aqueles
que acham que isto é um assunto do centro e dos seus moradores, lembrem-se que
os preços estão a subir na cidade toda [3], e a oferta de habitação para
arrendar a descer drasticamente. Só em 2015 houve uma diminuição de 21% [4] na
oferta de arrendamento. Se o problema começou por ser no centro histórico neste
momento é geral e alastrou a toda a cidade.
Qual é o
problema dos habitantes saírem das zonas centrais da cidade? Estas zonas não
são melhores nem piores do que bairros menos centrais ou periféricos, mas é aí
que muitas pessoas viveram uma vida inteira, e é esse o lugar que outros tantos
escolheram para viver. Falamos de direito ao lugar mas também de direito à
cidade.
Qual é o
problema do preço da habitação subir em Lisboa? Como sabemos, uma subida deste
tipo implica uma imediata e objectiva perda de poder de compra por parte dos
habitantes da cidade.
Mas se a
origem do problema é o turismo, são as opções politicas recentes, expressas na
legislação e numa agenda de promoção turistica aparentemente sem planeamento,
que estão efectivamente a contribuir para os problemas que apontamos acima. Governo e CML continuam a sublinhar os benefícios
trazidos pela indústria do turismo, o seu papel na dinamização do mercado
imobiliário, no investimento em reabilitação urbana, na geração de emprego e no
impulsionar da economia, ignorando, na nossa opinião, os efeitos colaterais e a
sua responsabilidade na gestão dos interesses da cidade e dos seus habitantes.
Pelo contrário, temos assistido a uma facilitação e até mesmo incentivo das
dinâmicas mais agressivas de mercado geradas por investidores imobiliários de
capacidade de investimento impossível de acompanhar, ou superar, pela larga
maioria dos actuais residentes.
Neste
sentido, o actual executivo da CML, tem vindo a alterar a sua posição face às
politicas de habitação previstas para o centro da cidade. No caso concreto da
Baixa, por exemplo, este executivo prometeu, na campanha do primeiro mandato,
trazer jovens moradores para a Baixa e fazer cumprir a lei dos terços (⅓habitação; ⅓ comércio; ⅓ serviços).
Contrariamente a estas intenções, e até à data, as únicas intervenções da CML
na zona da Baixa de que temos conhecimento são os licenciamentos de diversos
hóteis. Apontamos também, o Programa de Renda Acessível (PRA), apresentado pela
CML o mês passado, que prevê a construção ou reabilitação de 5 a 7 mil fogos
disponibilizados a rendas controladas, mas evita as zonas de Lisboa mais bem
servidas de transportes ou serviços, onde o imobiliário está mais valorizado.
Sabemos
que a CML é, com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, um dos grandes
proprietários da cidade, com inúmeros edifícios no centro que têm sido vendidos
a privados. A alienação consecutiva de património no centro, simultânea à
criação de zonas habitacionais, de iniciativa camarária, em bairros não centrais, revela um programa
para a cidade que está a contribuir para a deslocação das classes médias e mais desfavorecidas (que aí
ainda subsistem) para fora das áreas centrais.
Paralelo
com outras cidades
Veneza, que recebe cerca de 20 milhões de
turistas por ano, é um dos casos em que não se legislou de forma a proteger a
habitação permanente e em que a população diminuiu para menos de metade, de
120mil para 55mil, nos últimos 30 anos. No decorrer deste processo, lojas e
estabelecimentos - inclusivamente de ensino e saúde - que davam resposta à
população local, têm vindo a ser substituídas por espaços para compra de
souvenirs e pastelarias, por exemplo. O número de cinemas, por exemplo, desceu
de 20 para 2. Sabemos que a diminuição da população de Veneza, tal como a de
outras cidades, não se deve exclusivamente ao turismo, e que o fecho de espaços
destinados ao uso, e ao serviço, das populações locais é muitas vezes
consequência e não necessariamente a causa, de uma diminuição significativa dos habitantes permanentes. Mas, neste
momento, a situação é “de pescadinha de rabo na boca” na qual o turismo tem um
papel central [5].
Segundo um artigo do The Independent, alguns
cientistas sociais prevêem que em 2030 Veneza não terá qualquer habitante permanente.
Em Barcelona (talvez a cidade mais parecida
com Lisboa nestas questões), a presidente da câmara Ada Colau assinou em Julho
de 2015 uma moratória para suspender, por um ano, as licenças para hotéis e
outros empreendimentos turísticos (foram parados 45 projectos). O objectivo foi
estudar o impacto do turismo na cidade, e assim poder tomar decisões adequadas
àquela que é a situação actual da cidade.
Em Cinque Terre, em Itália, património
mundial da Unesco desde 1997 que junta cinco pequenas aldeias, as autoridades
querem limitar o número de turistas a 1 milhão e meio por ano, diminuindo em 1
milhão as visitas de 2015. Só será possível um turista visitar a região
adquirindo bilhete.
Em França, já desde os anos 50, foi desenhada
uma estratégia de turismo descentralizado baseado na cultura. Foram criados festivais temáticos como o de
cinema em Cannes, de fotografia em Arles ou de dança em Montpellier, de forma a não cingir o turismo à
capital ou zonas balneares.
Lisboa,
em poucos anos, passou a ser uma das cidades
mais visitadas da Europa e neste momento a segunda mais saturada com o turismo,
depois de Amesterdão.
Enquanto
só se falava de crise foi fácil olhar para as recentes transformações da cidade
como exclusivamente positivas. Agora que esse discurso deixou de ser dominante,
achamos que é urgente recentrar o debate nos efeitos nefastos que estas
transformações estão a ter sobre o preço de habitação, e as suas consequências.
Vamos
seguidamente analisar o que acreditamos serem as causas deste fenómeno: Nova
Lei das Rendas; legislação do Alojamento
local; leis dos Reformados e Vistos Gold; licenciamento de novos Hotéis e
Hostels.
2. Fonte: site https://www.airdna.co/.
Causas
e consequências
1. Nova
lei das rendas
A Nova Lei das Rendas, em vigor desde
Novembro de 2012, introduziu uma série de alterações à antiga lei do
arrendamento, permitindo, por exemplo, que um proprietário despeje os seus
inquilinos, alegando obras estruturais, tendo apenas de lhes pagar um ano de
rendas como indemnização. O que quer dizer que qualquer fundo de investimento
ou banco, pequeno ou grande proprietário, pode no seu quarteirão, prédio ou
apartamento, após realizar as obras alegadas, transformá-lo num hotel, hostel
ou apartamento(s) turístico. Isto independentemente destes edifícios ou
apartamentos terem usos anteriores de habitação permanente.
É a combinação desta nova lei das rendas com
uma politica camarária sem restrições à atribuição de licenças a unidades
hoteleiras ou alojamento local que nos parece constituir um dos fortes motivos
para a atracção de investidores e especuladores nacionais e internacionais.
2. Alojamento
turístico
Segundo o Arnaldo Muñoz, director ibérico da
Airbnb (maior site de alojamento local a nível mundial), existiam em 2015 nesta
plataforma, 12 mil casas listadas na grande em Lisboa (mais 60% que em 2014) [6]. A recentemente
criada Associação de
Alojamento Local de Portugal (ALEP), afirma que nascem na capital cerca
de 200 novos alojamentos locais por mês [7].
De onde vêm estas casas? Não sabemos quantas,
mas com certeza grande parte destas habitações saíram do mercado de
arrendamento permanente. Inicialmente, sites como o airbnb tinham como
objectivo pôr em contacto habitantes que queriam alugar temporariamente a sua
casa ou um quarto a visitantes e turistas, criando uma rede de turismo
"sustentável" numa lógica de economia partilhada.
Hoje a grande maioria destas casas são
concebidas especialmente para serem alugadas exclusivamente a turistas. Algumas pertencem a pequenos proprietários
que com a crise largaram a sua habitação permanente, para equilibrar as contas,
outras, cada vez mais, são de médios e grandes proprietários ou investidores.
Muitas destas casas funcionam num sistema de sub-aluguer.
O governo anterior fixou o imposto sobre este
tipo de arrendamento em valores muito mais baixos do que o imposto sobre
arrendamento permanente, ou seja, não só é mais rentável alugar a turistas como
se paga menos impostos.
Todos os
dias chegam notícias de outras cidades que, ao serem afectadas pela subida de
preço na habitação devido ao turismo, legislaram o alojamento local: em Paris e
Barcelona só é possível um proprietário alugar a sua primeira morada e por um
período máximo de 120 dias, em Londres por 90 dias; e em Berlim e Nova Iorque só se
podem alugar apartamentos nos quais também morem os proprietarios, ou seja, só
se podem alugar quartos, permitindo assim o acolhimento de turistas sem a saída
dos habitantes permanentes.
Em Lisboa, sabemos que cerca de 75% dos
anúncios disponíveis no Airbnb são casas inteiras e apenas cerca de 25% são
quartos. A sua localização é mais concentrada no centro mas, como se pode ver
no gráfico (e no site https://www.airdna.co),
está já disseminada pela cidade inteira.
O fenómeno do alojamento local contribui em Lisboa, como tem contribuído em
diversas cidades, para a subida dos preços de arrendamento e para a escassez na
oferta. Só a sua regulamentação poderá alterar esta situação.
3. Reformados Gold
O
Governo anterior fez passar uma lei que possibilita a qualquer reformado
europeu, que ganhe pelo menos 2.000 euros de reforma e tenha a sua 1ª morada em
Portugal, a isenção de impostos durante pelo menos 10 anos.
Desconhecemos o número total de
beneficiários, mas para se perceber a dimensão do impacto desta medida, o
presidente da Chambre de Commerce
et d'Industrie Franco-Portugaise calcula que, até ao momento,
teremos 25 mil franceses [8] a beneficiarem deste regime. Em que é que isto se
reflecte nos preços da habitação? Temos uma enorme quantidade de reformados de outros países europeus com
poder de compra muito acima da média portuguesa (que é cerca de 1.000
euros/mês) a comprar e arrendar casas. Para muitas destas pessoas, comprar
casas por 400 ou 500 mil euros é acessível ou mesmo barato, assim como pagar
1.500 euros de renda é um bom preço.
O centro da capital é um dos lugares eleitos
e, consequentemente, os preços sobem. A lei também diz que, para beneficiar da
isenção, os reformados apenas têm que permanecer em território nacional 183
dias por ano ou "possuir uma habitação com a intenção de a manter como
residência habitual", o que faz com que estes reformados, quando cá não
estão, aluguem as suas casas a turistas.
Como se pode ver pela fotografia, já existem
investidores que garantem um pacote que inclui o serviço de venda e a posterior
rentabilização das casas através do aluguer de curta duração.
Ao pé destes números os vistos gold são uma
brincadeira, com 2.788 vistos emitidos até dezembro de 2015, o que não quer
dizer que também não estejam a contribuir para o problema.
Os 500
mil euros que o futuro detentor de um visto gold tem que investir em
imobiliário podem ser investidos na totalidade num só imóvel ou repartidos por
vários. Muitos estão a comprar apartamentos ou mesmo
edifícios inteiros, que seguidamente alugam a turistas. Ao contrário dos
reformados, estes não têm qualquer obrigatoriedade de permanência no país.
4.
Crescimento dos Hotéis e Hostels
Neste momento existem, segundo o site Hostelworld.com, 174 hostels em
Lisboa. Estes estabelecimentos, que podem ir desde o apartamento ao prédio, são
regulamentados pelo regime de alojamento local, segundo o qual apenas é
necessária uma comunicação prévia para a sua abertura. Por essa razão não temos
a previsão de quantos mais irão abrir nos próximos tempos.
Já o número de hotéis é neste momento de 184
unidades, com uma oferta de 36.481 camas [9]. De acordo com o Observatório do Turismo de Lisboa
[10], mais 9 unidades hoteleiras vão abrir Lisboa ainda este ano, 4 delas no centro
histórico da cidade; e em 2017 prevê-se que 8 novos hotéis abram as portas na
capital [11]. Contudo, estes números não batem certo com o conjunto de notícias
recentemente publicadas em vários jornais que referem que 40 novos hotéis
abrirão nas ruas de Lisboa até ao final de 2017 [12]. A fonte que referem os
jornalistas é a CBRE, uma consultora imobiliária internacional com escritório
na cidade, que afirma que as referidas 40 novas unidades hoteleiras [13], nas
mãos de cadeias nacionais e internacionais, estão actualmente em construção ou
em fase de projeto na cidade, com inauguração prevista para 2016/2017. A consultora contabilizou ainda a abertura de
21 hotéis no ano de 2015, três vezes mais do que no ano anterior.
Em 2014
o vereador do urbanismo, Manuel Salgado,
referindo-se ao licenciamento que a CML faz de hóteis, disse que não compete à Câmara de Lisboa “fazer uma
regulação do mercado”, algo que em seu entender nem sequer seria “desejável” [14].
Até ao momento, a CML está a licenciar todos os pedidos para hotel ou hostel,
independentemente da sua área de localização e de anteriormente esse edifício
ser ou não habitação.
5.
Valores do retorno imobiliário
Segundo
o Global Property Fund Index, Portugal está entre os países que geraram
retornos mais elevados em 2015, ocupando, equiparado com os EUA, o 7º lugar
entre 32 países analisados.[15]
Em 2014
batemos o recorde de investimento estrangeiro em compra de habitação, chegando
a um valor calculado em 930 milhões.
Em 2015,
este mesmo indicador, revela-nos que foram captados no total 1100 milhões de
euros, representando assim um crescimento de 15,4%.
Destes
montantes, calcula-se que grande parte está suportada nos regimes de Golden
Visa e dos benefícios fiscais para residentes não habituais, tendo este último
ganho grande relevância em 2015, face a 2014 [16].
PROPOSTAS
Tendo em conta estes dados e números, a
pergunta que urge colocar é a que dá título a esta apresentação: Quem vai poder
morar em Lisboa? num quadro em que se favorece a expulsão de moradores e se
isenta de impostos novos detentores de propriedades imobiliárias. Urge pensar a
longo prazo qual a cidade que se está a construir e para quem.
Uma cidade é feita de muitas coisas, mas
nunca pode ser feita maioritariamente por turistas - como se de um parque
temático se tratasse.
Também não é o seu edificado que a define
como cidade, por muito bonito e recuperado que esteja, veja-se o exemplo de
Veneza. Uma cidade deve ser planeada e esse planeamento deve ser
discutido e delineado para benefício dos seus habitantes.
Parece-nos fundamental utilizar a dinâmica
desta mudança para conduzir a cidade numa direcção que seja vantajosa e
enriquecedora para todos, não cedendo a interesses económicos de especulação
que negligenciam e afectam os habitantes que definem e sustentam a cidade.
Os governantes eleitos pelos habitantes desta
cidade, mais do que fazer parte deste esforço devem ser os protagonistas deste
movimento.
Algumas
medidas a estudar/debater
Suspender a atribuição de licenças a hotéis e
hostels até à elaboração de um estudo sobre os impactos do turismo em Lisboa, à
semelhança de outras cidades e em permanente actualização, com o objectivo de
definir os impactos do turismo e índices de capacidade de carga turística da
cidade.
Realização de uma nova lei restritiva do
alojamento local, à semelhança de outras cidades (Ex: Barcelona, Paris, Berlin,
Nova Iorque, Londres, São Francisco).
Revogação da lei dos reformados gold ou
limitação da atribuição de estatuto aos residentes que se fixem em áreas
especificas a definir. Ex. zonas despovoadas ou cidades do interior.
Discussão e revisão da Nova Lei das Rendas
(de acordo com o previsto no Programa do Governo da Cidade de Lisboa para
2013-2017).
Promover estudos sobre o perfil dos novos
habitantes da cidade e respectivas expectativas e motivações.
Sensibilizar as associações de moradores para
nas respectivas assembleias de condóminos implicarem formas de compromisso
colectivo e consenso democrático que faça depender a criação de apartamentos
para acomodação/alojamento turístico, de consenso unânime por parte de todos os
moradores do prédio;
Reter na cidade, e sobretudo nas comunidades
mais afectadas pela turistificação, uma parte significativa das mais-valias
económicas, criando canais de redistribuição dos proveitos/receitas geradas
pelo turismo nos bairros, orientando-as, de forma transparente, para benefício
das comunidades respectivas.
Ana
Bigotte Vieira
Catarina
Botelho
Joana
Braga
António
Brito Guterres
Leonor
Duarte
Luisa
Gago
Luís
Mendes
≡
Notas
1.
http://expresso.sapo.pt/sociedade/2015-10-18-Menos-casas-e-mais-caras-para-arrendar-em-Lisboa-e-no-Porto
http://expresso.sapo.pt/economia/2016-05-08-Imobiliarias-estimam-subida-de-40-nas-rendas-em-Lisboa
http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/imobiliario/detalhe/preco_das_casas_no_centro_historico_de_lisboa_disparou_22_em_2015.html
2. Referência ao filme “Lisboetas” 2004, da autoria de
Sérgio Tréfaut
3.http://www.dn.pt/sociedade/interior/arrendamento-classico-esta-a-desaparecer-do-centro-da-cidade-5174101.html
4.http://expresso.sapo.pt/sociedade/2015-10-18-Menos-casas-e-mais-caras-para-arrendar-em-Lisboa-e-no-Porto
8.http://www.jornaldenegocios.pt/economia/impostos/detalhe/portugal_destaca_isencao_fiscal_e_seguranca_para_atrair_investimento_de_reformados_franceses.html
9. de acordo com os dados do Registo Nacional do Turismo
10. dados de Março
de 2016
11.http://www.visitlisboa.com/getdoc/99d1e497-8a2b-42bf-bdc9-8c2b19e084c7/Novas-unidades-hoteleiras-em-Lisboa.aspx
12.
http://ionline.sapo.pt/500069;
http://noticias.cbre.pt/lisboa-abre-mais-de-20-hoteis-em-2015/
13.http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/imobiliario/detalhe/vao_abrir_mais_40_hoteis_em_lisboa_nos_proximos_dois_anos.html
14.https://www.publico.pt/local/noticia/ha-ou-nao-hoteis-a-mais-projectados-para-a-baixa-pombalina-1629222
15.http://www.diarioimobiliario.pt/Entrevistas/Sector-imobiliario-representa-um-dos-investimentos-mais-apelativos
16.http://noticias.cbre.pt/artigo-de-opinio---estamos-perante-uma-retoma-real-de-mercado-ou-numa-fase-de-pura-especulaco/
Ficha Técnica
Data de publicação: 03.06.2016
Etiqueta: Territórios
\ Cidades
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