≡
Morreu Edward
Soja (N.Y.,1941) um dos mais brilhantes geógrafos contemporâneos, autor de
obras tão fundamentais como Postmodern
Geographies (1989), Thirdspace
(1996) e, sobretudo, Postmetropolis
(2000). A sua última publicação foi My
Los Angeles: from urban restructuring to regional urbanization (2014).
Edward Soja segue na linha de autores como Henri Lefebvre, David Harvey ou Michel
Foucault, aprofundando a questão da espacialidade/territorialidade como assunto
central para o entendimento da sociedade e não como espécie de “pano de fundo”
ou mero produto da dita sociedade. O geógrafo teórico, o investigador, o
professor, o activista político, ou, simplesmente o comunicador e a sua vontade
de conhecer, juntam-se neste homem com permanente sede de mundo enquanto por cá
andou.
Não é aqui o
lugar para falar desenvolvidamente de tudo aquilo que nos ensinou. Lembro-me
sobretudo do impacto de Postmetropolis num tempo como o de hoje em
que a “cidade” e a “urbanização” andam ensarilhadas em discursos e
representações tão estereofónicas quanto simplórias e contraditórias, ao ponto
de não se perceber já de que é que se fala ao certo: pensam uns que essas
palavras são auto-explicativas e é só marchar corajosamente em frente; pensam
outros que não servem para denominar nada porque denominam quase tudo o que é o
mesmo que nada. Assim estamos.
A questão que
lembro é a da discussão sobre o que eram as primeiras cidades como Jericó ou
Çatal Hüyük há mais de 10 000 anos e como essa mitologia fundadora marcou
ideias sobre a origem da cidade e da condição urbana.
Não teria que
ter havido revolução agrícola antes da urbana. O viver juntos em aglomerações
(sinoicismo) seria função da organização económica da produção e da troca, da
divisão do trabalho e do exercício da autoridade e do poder. A tese de E. Soja é
a de que teria sido esta primeira urbanidade que estimulou o engenho para
incentivar a produção agrícola, a caça e a recolha de alimentos, o tráfego de
cereais e outros alimentos, a irrigação dos campos, ou a criação de animais;
tudo para permitir a produção dos tais excedentes alimentares.
Da investigação
de E. Soja, imagino algures no chamado Crescente Fértil - hoje a ferro e
fogo, do Estado de Israel ao Estado Islâmico –, um grupo com o seu chefe no
cimo de uma colina. Diz um:
– pelo pó que
ali se levanta ao longe, vem aí um grupo com o seu rebanho!
– sim, diz
outro, espécie de chefe, vamos matá-los todos e as suas cabras e reservas de
alimentos serão para nós um “excedente” de quem dele já não precisa.
Assim fizeram e
foi uma chacina. Dali a tempos, repete-se a cena. Diz um:
– pela poeira
que se levanta ao longe, vem aí um grupo com o seu rebanho!
– sim, diz o
tal chefe, agora todo-poderoso pelo sucesso que teve na operação militar
anterior; agora não vamos repetir a asneira da outra vez: matamos metade e
escravizamos os outros para trabalharem, pastorearem o rebanho e agricultarem
estas terras aqui à volta da colina.
Tantas vezes
isto ocorreu, que o pessoal nómada que por ali deambulava com os seus rebanhos
começou a passar palavra de umas tribos para outras dizendo que era preciso
cuidado e armamento para passar naquele corredor onde estavam aqueles facínoras
no topo da colina. A coisa começou a ser ainda mais violenta.
Então, os da
colina construíram uma muralha para se defenderem e organizarem o ataque e uma
torre para melhor controlarem os movimentos no terreno. Tinha nascido a
primeira cidade!
Tem lógica. Os
humanos são assim. É pena que isto estrague aquelas ideias luminosas da cidade
como pico civilizacional, ecossistema humano sofisticado de onde brota cultura,
ideias, inovações, justiça e outras coisas. Pois, pois, o resto também. Agora
já não são precisas muralhas e torres, tudo anda mais espalhado, há muitos
chefes e coisas mais valiosas que cabras em cada esquina do planeta.
Adeus
Edward Soja, se encontrares o criador diz-lhe que venha fazer uns ajustes
na sua criação porque não há quem.
≡
Imagem
Álvaro
Domingues, Luanda, Angola 2014.
Álvaro Domingues
Melgaço, 1959.
É geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.
Ficha técnica
Data de publicação: 04 de Novembro 2015