Bestiário do Imobiliário IV \ Álvaro Domingues




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Bestiário do imobiliário 4
Álvaro Domingues

1.
Não somos de cá mas, desde os primeiros festivais do Sudoeste que nos habituámos a vir correr para esta herdade e espreitar oportunidades de negócio porque isto dos ovos e das plumas foi chão que deu uvas. Está tudo a ficar flat e arenoso por estes alentejos.
A Leopoldina, aquela apardalada da minha amiga lá ao longe, diz que vai comprar o casinhoto branco ao fundo para o turismo rural. Pois que vá. Ficarei aqui a pensar com a minha sombra e a fazer pose para uns tipos que passam, fotografam e não pagam. Ela não é assim. Tudo o que faz é a pagar, incluindo corridas eróticas.
É o empreendedorismo, diz ela, usando tamanha e avestruza palavra difícil de pôr a maquinar mas muito boa para discursos e para subir na vida. Por mim, sempre que penso nisso enterro a cabeça na areia porque me disseram que um dos problemas do empreendedorismo é que, quando funciona, o fisco dá cabo dele. Por isso, irei directa para a economia subterrânea e não quero mais saber do assunto.



2.
Moramos neste condomínio fechado há que tempos, eu, a égua cinzenta e o universo familiar dos porcos pretos sempre em expansão. Não é fácil. Eles cheiram mesmo mal.., é preciso manter certas distâncias. As casas, ao estilo alentejano, são limpas e confortáveis. Os porcos não querem telemóveis, de forma que pedimos este poste para telefone convencional. O pasto é péssimo. Não tarda, comeremos galhetas e gomas.
O maior problema, porém, é aquela vaca que desde que aparece em tudo que é estrada em telas triangulares emolduradas de vermelho, deixou de nos falar (falar é um modo de dizer, claro, porque aqueles sons monocórdicos e prolongados mal se percebem). Fica naquela posição, nua, estática e em contra-luz muito cheia de si a mandar parar o trânsito. Aqui nem trânsito há, tem graça. É mesmo uma fingida esta raça de unicórnio degenerado.
Pois que se lixe. É menos uma a pagar o condomínio mas os PIGS que são desgovernados, pagam sempre nem que seja em chouriços e fumados, como diz o Financial Times, essa pérola do expoente civilizacional dos humanos.



3.
Declaration of the Occupation of New York City:
“As we gather together in solidarity to express a feeling of mass injustice, we must not lose sight of what brought us together. We write so that all people who feel wronged by the corporate forces of the world can know that we are your allies.
As one people, united, we acknowledge the reality: that the future of the human race requires the cooperation of its members; that our system must protect our rights, and upon corruption of that system, it is up to the individuals to protect their own rights, and those of their neighbors; that a democratic government derives its just power from the people, but corporations do not seek consent to extract wealth from the people and the Earth; and that no true democracy is attainable when the process is determined by economic power. We come to you at a time when corporations, which place profit over people, self-interest over justice, and oppression over equality, run our governments. We have peaceably assembled here, as is our right, to let these facts be known.”

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Imagens
Fotografias do autor.
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Álvaro Domingues
Melgaço, 1959. É geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.
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Ficha técnica
Data de publicação: 18 de Maio de 2014
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