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Regresso
a casa
histórias da cultura
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Luís
Piteira
“Adeus!”
Lá em casa é assim que saúdam a chegada, essa que constitui, uma
e outra vez, um regresso.
Com esta dupla condição, a da casa e a do regresso,
vislumbramos a chave do alçapão do fazer-Mundo. Alguns chamam-lhe Política. Nem sempre os mesmos que os
anteriores, nem sempre definindo-a da mesma maneira, chamam-lhe Utopia.
Numa das versões, que não será nem a de Thomas More nem a de
Orwell, o regresso é utópico porque
determina que se feche o alçapão que nos dá entrada em casa, esquecendo lá dentro a chave – ainda que esta seja a condição
impossível da anedota da gaveta. E é assim que ficamos encarcerados no
exterior, presos num Mundo que não contém a nossa cela.
Neste grupo enquadram-se, com um assinalável senso comum,
distintos políticos e altos profissionais.
No caso da arquitectura, para além de distintos e altos, são
também profissionais premiados. Talvez porque estes tenham os meios para abrir
uma outra porta para além do alçapão – não falamos do conhecimento disciplinar
mas da condescendência inteligente para com o capital – o que torna a chave um
objecto inútil.
Com esta espécie de convicção, respondem àquilo que dirão ser a
nossa Utopia:
– “A-Deus [vos
recomendo]”, utilizando a palavra no seu mais correcto sentido, o de uma certa
despedida desresponsabilizante.
A versão de Jacques Derrida parece apontar o regresso para a ponta oposta desta
convicção. Fala-nos, então, de uma hospitalidade incondicional. No entanto,
acrescenta: “l'hospitalité pure,
l'accueil de l'autre sans condition et sans question, comporte une menace
intrinsèque de perversion”, “cette pervertibilité est essentielle,
irréductible, nécessaire aussi” (1).
Esta pervertibilité dorme
com o compromisso colectivo. E fica
“de esperanças” do rebento Liberdade.
O compromisso colectivo será aquilo que definimos como comunidade. E a comunidade será
a parte de cada sujeito que diz respeito
aos outros, ou seja, o trabalho.
Passamos a ser os de bairro – cabeleireiro
de bairro, canalizador de bairro, padeiro de bairro... ou, porque não, fazendo de Bragança de Miranda uma
muleta - arquitecto de bairro,
cineasta de bairro, pintor de bairro, escultor, actor, bailarino,
poeta de bairro.
Talvez esta seja a utopia socialista, que inconscientemente
embala o mau-uso-saudante-do-adeus lá
de casa. Poderíamos substituir este
“adeus”, sem incorrer em nenhuma perda do seu significado, por um “aosoutros”.
Abraçamos as palavras de João Maria André (2) para implantar,
por fim, a casa. Essa casa guardada pelo alçapão do Mundo. Com
a sua dimensão “do passado, do presente e
do futuro” que “constitui a melhor
escola da vida”. E com aosoutros que
lá habitam e “que estão permanentemente (…)
a criar dinâmicas dentro do espaço, a criar afectos dentro do espaço, a criar
memórias, a depor memórias dentro do espaço, e a depor utopias e sonhos e
projectos dentro do espaço” regressamos
então ao “espaço do lugar onde vivemos”,
ou seja, regressamos a casa.
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Referências
1. Jacques Derrida, De
l'hospitalité (La passe du vent) e De
l'hospitalité (Calmann-Lévy) . Lido
em Fernanda Bernardo, Ética da
hospitalidade, segundo J. Derrida, ou o porvir do cosmopolitismo por vir. A
propósito das cidades-refúgio, re-inventar a cidadania (II), Revista
filosófica de Coimbra ¨C nº22, 2002, p.422
2. Vídeo 6. O lugar como
escola.
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Imagens
1. “alçapão do Mundo” in Vídeo
1 – Cristina Silva, Performance Janela da
hospitalidade. Mestre André, Música Espectros
de um povo que canta (https://soundcloud.com/androsthedead/espectros-de-povo-que-canta).
2. Cartaz: “Regresso a casa. Histórias da Cultura. Conversa.
Performance. Festa. Manifesto.”. XVI Semana Cultural. Alcáçovas.
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Nota
Decorrente a dissertação de Mestrado Integrado com o título Regresso a casa: Arquitecto na Comunidade, a
acção que aqui se documenta foi levada a cabo no dia 22 de Junho de 2013, em
Alcáçovas (Viana do Alentejo).
Um grande abraço ao amigo Diogo Grosso como agradecimento pelas
filmagens e com desejo de melhoras. Um agradecimento especial, também, a todos
os que colaboraram nesta iniciativa. Os vídeos contêm legenda (o botão para
activá-las é o rectângulo branco com duas linhas pretas, presente do canto
inferior direito da janela do vídeo).
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Luís Piteira. Estudante de
Arquitectura na FAUP, integra o colectivo de investigação "Prática[s] de
Arquitectura". Pertenceu ao Corpo Editorial do folhetim da AEFAUP Corda.
Colabora com instituições locais de cariz político, económico, social, cultural
e artístico no Concelho de Viana do Alentejo, desenvolvendo acções nos campos
da Reabilitação e do sentido Social da Arquitectura. Prepara a formação de uma
Cooperativa multidisciplinar que trabalhará sobre os mesmos temas.