Pedro Levi Bismarck
O que é bom aparece, o que aparece
é bom
La revolución no será televisada II
É bem conhecida uma certa campanha da Coca-Cola dos anos 50 que fazia passar subliminarmente uma mensagem
que repetia o refrescante apelo: “beba
coca-cola!”. O tempo de exposição do slogan
era tão curto que apenas o inconsciente estava apto a captá-lo, o que induzia (ao
que parece) um desejo impetuoso de consumo do refrigerante. Após a descoberta e
o habitual pânico gerado nos Estados Unidos, sobretudo com a latente ameaça comunista e o medo de propaganda
política, instalou-se a discussão sobre o poder e a efectividade da chamada “publicidade subliminar”. O que é facto é
que, subliminar ou não, somos todos os dias conduzidos por um sem fim de aparatos publicitários, que nos seduzem
com determinado tipo de estilos e modos-de-vida.
Está mais que estudado que o nível de luz, a temperatura amena, a música
ambiente, a organização das prateleiras dos grandes hipermercados, nada tem de
fortuito, tendo apenas um e um só objectivo: o consumo.
Não é muito diferente o modo como funciona o “aparato mediático”, os chamados media, a quem está incumbida a tarefa diária
de nos informarem acerca do estado do mundo. Da mesma maneira que o “aparato ambiental” do hipermercado nos
conduz distraidamente em direcção ao sugestivo namoro com os produtos que se
querem vender, também o “aparato mediático” nos conduz pacientemente
em direcção à realidade como produto pronto a consumir. Não há grande diferença entre eles, ambos são aparatos
silenciosos, mas altamente indutores de comportamentos: os primeiros criam as
condições de ambientação de um espaço-para-o-consumo,
orientando-nos para a compra de determinados produtos; os segundos criam as condições
de recepção do mundo, onde se montam narrativas de acontecimentos, fabricando e
induzindo determinadas concepções e juízos acerca da realidade.
A ilusão, essa, é dupla: por um lado, os seus curtos
instantes noticiosos apresentam-nos o mundo de um golpe só, como totalidade
acabada, dando-nos a ilusão que, de facto, ficamos a saber alguma coisa sobre o
que quer que seja; por outro lado, ao garantir a sua pretensa objectividade e
neutralidade, dá-nos a ilusão que estamos sempre perante a verdade. Isto é: o mundo é aquilo que o “aparato mediático” disser que ele é. Na versão de Guy Debord: “o que é bom aparece, o que aparece é bom”.
É isso que o documentário
“The revolution will not be televised” mostra acerca do Golpe de Estado que
tentou depor Hugo Chávez em 2002. Um golpe que se jogou entre o real (as ruas, a população de Caracas manifestando-se
a favor do presidente Chávez) e o virtual
(a televisão e as suas cadeias privadas – que procuravam legitimar a todo o
custo o Golpe, manipulando as imagens das ruas de Caracas, como estando
furiosamente a favor dos golpistas). O momento tão absurdo como terrível dessa
fabricação é quando, o recém-instalado presidente, Pedro Carmona assegura a um
canal de televisão privado e à CNN que a situação está tranquila, quando ele
próprio já está em fuga e fora do palácio presidencial, entretanto recuperado
pelos militares que se aperceberam da manipulação de que foram alvo.
O problema que aqui se levanta, não se relaciona apenas com o
poder fabricador dos “aparatos mediáticos”
na luta eterna pelo controlo do controlo, mas a precariedade com que construímos
as nossas opiniões e juízos acerca de realidades
que desconhecemos absolutamente (apesar de algumas delas estarem bem próximas).
E, sobretudo, o modo como somos conduzidos pelos “aparatos mediáticos” a formular opiniões ditas maioritárias e consensuais,
aceitando-as como verdades únicas (o exemplo da população de Caracas, que
assistindo ao desenrolar dos eventos pelas televisões privadas ficou convencida
que o Golpe de Estado era legitimado pela adesão popular, quando
era precisamente o contrário).
O que não pode deixar de ser reconhecido é que os media, em quem depositamos tanta
confiança, não são mais que hipermercados da informação: colocam à nossa disposição
um conjunto pré-definido de opiniões prontas-a-consumir
acriticamente, formando essa pantanosa superfície do senso comum, que move as multidões e as arrasta para o território
sem fim da manipulação e da demagogia. E é isso, mais do que tudo, que torna
tão opaco e tão estéril o fundo da actual discussão política e que nos impede, a
todo o momento, de vislumbrar qualquer outro horizonte. É que, como dizia
Debord, o espectáculo “é o sol que não
tem poente no império da passividade moderna. Recobre toda a superfície do
mundo e banha-se indefinidamente na sua própria glória”.
(continua)
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