La revolución no será televisada?
Chávez e os aparatos mediáticos
-------------------------------------
Uma das grandes ilusões que deslizam silenciosamente pelo
nosso quotidiano é a de pensarmos que com o actual “aparato mediático” sabemos
tudo aquilo que se passa pelo mundo. O círculo mediático parece ter
concretizado esse sonho antigo da humanidade: esse desejo de tornar tudo
próximo, isto é, de controlar tudo, mesmo o mais infimamente distante. Mas será
a velocidade sinónimo de conhecimento? Terá algum de nós a ilusão que conhece a
Europa só porque a sobrevoou duas ou três vezes de avião? Terá algum de nós a convicção
que é possível conhecer alguém com quem nos cruzamos duas vezes na rua?
Será preciso admitir, por isso, que talvez não saibamos
assim tanto acerca deste suposto mundo que, todos os dias, nos chega através das
televisões, dos jornais, da internet. Contudo, a questão que se coloca é que,
nunca como hoje, foi o nosso acesso ao real tão dependente desses “aparatos
mediáticos”. E, por isso, são eles, hoje mais do que nunca, o palco de uma
batalha invisível, mas derradeira, pela posse e manipulação dessas imagens do
real (o caso da Venezuela de Chávez mostra isso mesmo).
Se, por um lado, podemos afirmar que a realidade é o que o “aparato
mediático” disser que ela é, pois é este que decide o que mostra, quando mostra
e como mostra (e isto não supõe
nenhuma teoria conspirativa, apenas a constatação que a escolha dessas imagens/fragmentos
do real é uma montagem política e ideológica raramente inocente). Por outro
lado, a nossa relação com esse aparato é, em si mesma, precária: deixamo-nos
ficar pelo imediatismo das imagens, dos ‘headlines’,
da leitura acelerada dos artigos. E isso parece ser suficiente, dado o contínuo
fluir das imagens, para nos dar uma certa ilusão de conhecimento da realidade.
É sobre esse fundo deslizante e precário (mas não ingénuo)
que se ergue a imensa e pantanosa superfície das opiniões individuais e de um
terrível senso comum, que move as
multidões e as arrasta para o território sem fim da manipulação e da demagogia.
Somos demasiado rápidos a dar opiniões, mas raramente reflectimos sobre as
condições da sua fundamentação. Teríamos muito a ganhar se o nosso esforço pudesse
estar concentrado não tanto na vontade de, a todo o custo, vociferar uma opinião,
mas no exercício de inquirir o fundo opaco onde se constrói essa nossa relação
com uma realidade que, apesar de parecer caber eterna e fixa no rectângulo de
uma imagem, foge-nos como areia fina pelos dedos da mão.
Podemos até confessar um certo desconforto perante o estilo
e culto de personagem de Hugo Chávez, mas antes de entrar nesse território
pantanoso das opiniões construídas a partir do deslizante “aparato mediático”
oficial, talvez fosse mais útil abandonar alguns pré-juízos e compreender qual
foi, de facto, o fundo da política de Chávez e da Venezuela nestes últimos
anos. E talvez até possa acontecer que isso nos seja bem útil para iluminar uma
certa escuridão da nossa condição actual.
-------------
Links