Posfácio \ Walter Benjamin


Walter Benjamin
Posfácio
(A obra de arte na época da sua
possibilidade de reprodução técnica)

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Nota:
Se o número dois do Punkto, lançado bem alto sobre os céus tumultuosos do presente, começou com o texto de Walter Benjamin “O carácter destrutivo”, nada melhor do que fechar esta série dedicada à “Destruição” com um outro texto do mesmo autor: o posfácio ao bem conhecido artigo: “A obra de arte na época da sua possibilidade de reprodução técnica” (1935-1938). Encerrada esta série destrutiva (que se prolongou entre o mês de Maio de 2011 e o último mês de Dezembro) ficaremos a partir de agora, neste ano de 2013, não tão ironicamente quanto possa parecer, sobre o signo saturniano da “Nostalgia”. O Punkto #03 será lançado em Fevereiro!
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A proletarização crescente dos homens de hoje e a formação crescente de massas são os dois lados de um e do mesmo fenómeno. O fascismo tenta organizar as massas proletarizadas recentemente formadas sem tocar nas relações de propriedade para cuja abolição elas tendem. Vê a sua salvação na possibilidade que dá às massas de se exprimirem (mas com certeza não a de exprimirem os seus direitos). As massas têm o direito de exigir a transformação das relações de propriedade; o fascismo procurava dar-lhes expressão conservando intactas aquelas relações. Consequentemente, o fascismo tende para a estetização da política. À violentação das massas, que o fascismo subjuga no culto de um Führer, corresponde a violentação de todo um aparelho que ele põe ao serviço da produção de valores de culto.
Todos os esforços de estetização da política culminam num ponto. Este ponto é a guerra. É a guerra e só a guerra que torna possível dar uma finalidade aos mais amplos movimentos de massas, conservando as relações de propriedade herdadas. Assim se apresenta a actual situação do ponto de vista político. Do ponto de vista da técnica, ela apresenta-se da seguinte maneira: só a guerra torna possível mobilizar todos os meios técnicos que actualmente existem, conservando as relações de propriedade vigentes. É claro que a apoteose da guerra pelo fascismo não se serve destes argumentos. Contudo, será proveitoso dar-lhes alguma atenção. No manifesto de Marinetti sobre a guerra colonial etíope pode ler-se: «Há vinte e sete anos que nós, futuristas, nos erguemos contra o facto de a guerra ser considerada anti-estética….De acordo com isso, verificamos que:….A guerra é bela porque graças às máscaras de gás, aos horríveis megafones, aos lança—chamas e aos tanques pequenos, consegue fundamentar a supremacia do homem sobre a máquina subjugada. A guerra é bela porque inaugura a tão sonhada metalização do corpo humano. A guerra é bela porque enriquece um prado florido com as orquídeas flamejantes das metralhadoras. A guerra é bela porque reúne numa sinfonia os tiros de espingarda, de canhão, as pausas do cessar-fogo e os perfumes e odores dos cadáveres em decomposição. A guerra é bela porque cria novas formas arquitectónicas, como as dos grandes tanques, das esquadrilhas geométricas de aviões, das espirais de fumo das aldeias incendiadas e muitas outras coisas…Poetas e artistas do Futurismo…, lembrai-vos destes fundamentos de uma estética da guerra, para que a vossa luta por uma nova poesia e uma nova escultura…seja por eles iluminada!»
Este manifesto tem a vantagem da clareza. A maneira como aborda a questão merece ser adoptada pela dialéctica. A estética da guerra contemporânea coloca-se-lhe da seguinte maneira: se o aproveitamento natural das forças produtivas é retardado e impedido pelas relações de propriedade vigentes, a intensificação dos recursos técnicos, dos ritmos de vida, das fontes de energia, leva a que elas sejam aproveitadas de um modo não natural. É o que se passa na guerra que, com as suas destruições, prova que a sociedade não estava suficientemente madura para se servir da técnica como um órgão seu, que a técnica não estava suficientemente avançada para dominar as forças sociais elementares. Nos seus traços mais horrendos, a guerra imperialista é determinada pela discrepância entre os meios de produção poderosos e o seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (por outras palavras: pelo desemprego e falta de mercados). A guerra imperialista é a revolta da técnica que recolhe no «material humano» os direitos que a sociedade lhe retirou do seu material natural. Em vez de canalizar cursos de água, a técnica canaliza a corrente humana para o leito das suas trincheiras, em vez de lançar sementes do alto dos seus aviões, espalha bombas incendiárias pelas cidades, e na querra do gás encontrou uma nova maneira de acabar com a aura.
Fiat ars – pereat mundus, diz o fascismo que, como confessou Marinetti, espera da guerra a satisfação artística da percepção transformada pela técnica. Trata-se visivelmente da consumação da arte pela arte. A humanidade, que antigamente, com Homero, foi objecto de contemplação para os deuses olímpicos, tornou-se objecto de contemplação para si própria. A alienação de si própria atingiu o grau que lhe permite viver a sua própria aniquilação como um prazer estético de primeira ordem. É assim a estetização da política praticada pelo fascismo. O comunismo responde-lhe com a politização da arte.

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Terceira versão (1935-1938). Tradução: João Barrento in Walter Benjamin, A Modernidade, Assírio & Alvim, Lisboa, 2006.