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Quintas-Feiras Negras | Arquitectura e destruição
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Sessão #08 | Motins
APRESENTAÇÃO
Estamos aqui, hoje, não
para falar exactamente da crise, das causas ou das consequências, nem
exactamente de política, mas para falar de arquitectura. O problema é que, e
apesar de muitos não o quererem, não podemos falar de arquitectura sem falar de
política, sem falar de crise e sem falar do papel social e cultural que a
arquitectura tem enquanto dispositivo concretizador de espaço, de cidade, do
território e do quotidiano da nossa vida diária.
Se, nos últimos anos, se
tem assistido e insistido num discurso arquitectónico à margem dos problemas e
das grandes questões sociais, culturais e políticos, será talvez o momento
oportuno para lembrar que, apesar de tudo, a arquitectura existe não enquanto
problema de construção, mas porque tem em si um outro desejo, um outro
horizonte: de providenciar um abrigo, oferecer um lugar habitável para que o
homem possa estar e possa viver em comunidade. Ora, isso é precisamente e
exactamente, política, no sentido, da gestão e da organização da vida pública e
colectiva da cidade – a polis.
Ora, se politica e
arquitectura coincidem, porquê essa constante negação? Porquê o medo de lhe
chamarmos política? Porque dizer:
“não, isto não é política” é o mesmo que dizer: “não, isto não é arquitectura”.
E talvez seja isso mesmo que se passa, muitas vezes não se faz, de facto,
arquitectura, faz-se construção. Mas claro, que seria útil clarificar muitos
destes conceitos: o que é exactamente a política? ou a biopolítica?, o que é
exactamente o público e o espaço público?, etc… Talvez só clarificando alguns
desses nexos que unem arquitectura e política, poderemos compreender a relação
que se estabelece entre elas. Porque o falar de política, não é dizer: “sou de
esquerda ou de direita”, “sou ultra-neo-liberal” ou “estou na margem do centro
direita a olhar para o centro esquerda”, ou então dizer, “a política não me
interessa”. Porque, quem diz a política não me interessa, já está
inconscientemente ou não a estabelecer um raciocínio político, neste caso, não
lhe interessa a gestão da vida colectiva, da vida pública, do espaço e das
ligações comuns – não lhe interessa a comunidade.
Ora, a arquitectura é
sempre a oferta ou a concretização de uma determinada configuração espacial, de
um certo tipo de ordem num território, é sempre a manipulação de um lugar, e
por isso, tem sempre uma dimensão ética,
no sentido, original da palavra: ethos,
isto é, concretiza e produz hábitos.
Isso não significa que
seja impositiva, mas que tem um papel nesse processo. Também não significa que
tenha de ser moral, mas significa que toma uma posição relativamente ao ethos, à ética de cada um e de todos. E,
por isso, é preciso, antes de mais, saber que posição tomar, que lugar ocupar,
saber o que informa ou valida esse posicionamento projectual. Porque então
corremos o risco de alguém estar a decidir por nós.
Tanta gente defende a
dignidade da arquitectura, o respeito social pela profissão, mas para que ela
exista, temos de ser nós, antes de mais, a saber que papel cabe exactamente a
esta disciplina chamada arquitectura. Baruch Espinosa, esse luso descendente,
como agora se diz, perguntava no século XVII, «o que pode um corpo?», pois a pergunta que se põe ou impõe hoje
será, sobretudo, «o que pode a
arquitectura?».
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