Alain Badiou
Vamos
salvar o povo grego dos seus salvadores!*
Vicky Skoumbi, editora
chefe da revista «Alètheia», Athènes, Michel Surya, director da revista
«Lignes», Paris, Dimitris Vergetis, director da revista «Alètheia», Athènes. E:
Daniel Alvara, Alain Badiou, Jean-Christophe Bailly, Etienne Balibar, Fernanda
Bernardo, Barbara Cassin, Bruno Clément, Danielle Cohen-Levinas, Yannick
Courtel, Claire Denis, Georges Didi-Huberman, Roberto Esposito, Francesca
Isidori, Pierre-Philippe Jandin, Jérôme Lèbre, Jean-Clet Martin, Jean-Luc
Nancy, Jacques Rancière, Judith Revel, Elisabeth Rigal, Jacob Rogozinski, Hugo
Santiago, Beppe Sebaste, Michèle Sinapi, Enzo Traverso
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Tradução Alexandra Balona de
Sá Oliveira
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Num
momento em que um em cada dois jovens gregos está desempregado, onde 25 000
sem-abrigo vagueiam pelas ruas de Atenas, onde 30% da população desceu abaixo
da linha de pobreza, onde milhares de famílias são forçadas a dar os seus
filhos para que estes não morram de fome e frio, onde novos pobres e refugiados
disputam o lixo nos aterros sanitários, os “salvadores” da Grécia, sob o
pretexto de que os “Gregos” não fazem um “esforço suficiente” impõem um novo
plano de ajuda que duplica a dose letal administrada. Um plano que elimina o
direito ao trabalho, e que reduz os pobres à miséria extrema, tudo isto fazendo
desaparecer do cenário as classes médias.
O
objectivo não deve ser o "resgate" da Grécia: sobre este ponto, todos
os economistas dignos desse nome estão de acordo. Trata-se de ganhar tempo para
salvar os credores conduzindo o país a uma falência em diferido. Trata-se
sobretudo de fazer da Grécia um laboratório de mudança social que, num segundo
momento, se generalizará a toda a Europa. O modelo experimentado nos Gregos é o
de uma sociedade sem serviços públicos, onde as escolas, hospitais e centros de
saúde caem em ruína, onde a saúde passa a ser um privilégio dos ricos, onde as
populações vulneráveis são condenadas a uma eliminação programada, enquanto que
aqueles que ainda trabalham são condenados a formas extremas de empobrecimento
e precariedade.
Mas para
que esta ofensiva do neo-liberalismo possa alcançar os seus objectivos, será
necessário instaurar um regime que faça a economia dos direitos democráticos
mais elementares. Sob a exigência dos salvadores, vemos instalar-se na Europa
um governo de tecnocratas que desrespeita a soberania popular. Trata-se de um
momento de viragem nos regimes parlamentares, onde vemos os
"representantes do povo" dar carta branca aos especialistas e aos
banqueiros, abdicando do seu suposto poder de decisão. De uma certa forma,
trata-se de um golpe de Estado, que faz também apelo a um arsenal repressivo
amplificado face aos protestos populares. Assim, quando os membros ratificaram
a convenção ditada pela troika (União Europeia, o Banco Central Europeu e o
Fundo Monetário Internacional), diametralmente oposta ao mandato que estes
tinham recebido, um poder desprovido de legitimidade democrática terá
comprometido o futuro do país por trinta ou quarenta anos.
Paralelamente,
a União Europeia prepara-se para constituir uma conta bloqueada para onde será
transferida directamente a ajuda financeira à Grécia, para que esta seja usada
unicamente ao serviço da dívida. As receitas do país devem ser consagradas como
“prioridade absoluta” ao reembolso dos credores e, se necessário, pagas
directamente nessa conta criada pela União Europeia. A convenção estipula que
todas as novas obrigações emitidas dentro deste quadro serão regidas pela lei
inglesa, que envolve garantias materiais, enquanto que os diferendos serão
julgados pelo tribunal do Luxemburgo, tendo a Grécia renunciado à partida
qualquer direito de recurso contra uma tomada determinada pelos seus credores.
Para completar o cenário, as privatizações serão confiadas a um fundo gerado
pela troika, onde serão depositados os títulos de propriedade dos bens
públicos. Em suma, é a pilhagem generalizada, característica própria do
capitalismo financeiro que oferece aqui uma bela consagração institucional. Na
medida em que vendedores e compradores se sentarão no mesmo lado da mesa, não
duvidamos que esta tarefa de privatização seja um verdadeiro festim para os
compradores.
Todas as
medidas tomadas até agora não fizeram mais do que afundar a dívida soberana
grega e, com o auxílio dos salvadores que emprestam a taxas exorbitantes, esta,
literalmente, explodiu aproximando-se dos 170% de um PIB em queda livre,
enquanto que em 2009 representava somente 120%. É provável que este grupo de
resgate – sempre apresentado como “final” – não tenha outro propósito que o de
enfraquecer ainda mais a posição da Grécia, de forma a que, privada de toda a
possibilidade de propor ela mesma termos de uma reestruturação, seja reduzida a
ceder tudo aos seus credores sob a chantagem de “a catástrofe ou a
austeridade”.
O
agravamento artificial e coercivo do problema da dívida foi utilizado como uma
arma para tomar de assalto uma sociedade inteira. É com sabedoria que usamos
aqui termos relevantes do domínio militar: trata-se de facto de uma guerra
conduzida pelos meios da finança, da política e do direito, uma guerra de
classe contra a sociedade inteira. E o espólio que a classe financeira conta
arrebatar ao “inimigo”, são os privilégios sociais e os direitos democráticos,
mas em última análise, é a possibilidade mesma de uma vida humana. A vida
daqueles que não produzem nem consomem o suficiente, ao olhar das estratégias
de maximização de lucro, não devem ser conservadas. Assim, a fragilidade de um
país apanhado entre a especulação sem limites e os planos de resgate
devastadores, torna-se na porta de saída por onde irrompe um novo modelo de
sociedade adequado às exigências do fundamentalismo neoliberal. Modelo
destinado a toda a Europa, e talvez até mais. Esta é a verdadeira questão e é
por isso que defender o povo grego não se reduz a um gesto de solidariedade ou
de humanidade abstracta: o futuro da democracia e o destino dos povos europeus
estão em questão. Por todo o lado a “necessidade imperiosa” de uma austeridade
“dolorosa, mas salutar” vai nos ser apresentada como o meio de escapar ao
destino grego, enquanto esta por aí avança sempre em frente.
Perante
este ataque persistente contra a sociedade, perante a destruição das últimas
ilhotas da democracia, nós apelamos aos nossos concidadãos, nossos amigos
franceses e europeus a exprimirem-se alto e forte. Não podemos deixar o
monopólio da palavra aos especialistas e aos políticos. O facto de a pedido dos
dirigentes alemães e franceses em particular a Grécia seja de agora em diante
interdita de eleições pode deixar-nos indiferentes? A estigmatização e o
denegrir sistemático de um povo europeu não merece uma resposta? Será possível
não elevar a voz contra o assassinato institucional do povo grego? E poderemos
nós permanecer silenciosos perante a instauração forçada de um sistema que
proíbe a própria ideia de solidariedade social?
Nós
estamos no ponto de não retorno. É urgente lutar contra a batalha dos números e
a guerra das palavras para conter a retórica ultra-liberal do medo e da
desinformação. É urgente desconstruir as lições de moral que ocultam o processo
real posto em prática na sociedade. Torna-se mais do que urgente desmistificar
a insistência racista sobre a “especificidade grega”, que pretende fazer do
suposto carácter nacional de um povo (preguiça e astúcia à vontade) a causa
primeira de uma crise, na realidade, mundial. O que conta hoje não são as
particularidades reais ou imaginárias, mas as comuns: o destino de um povo que
afectará todos os outros.
Muitas
soluções técnicas têm sido propostas para sair da alternativa “ou a destruição
da sociedade ou a falência” (que quer dizer, vemo-lo hoje: “e a destruição e a
falência”). Tudo deve ser tido em conta como elemento de reflexão para a
construção de uma outra Europa. Mas primeiro, é necessário denunciar o crime,
trazer à luz do dia a situação onde se encontra o povo grego devido aos “planos
de ajuda” concebidos por e para os especuladores e os credores. Num momento em
que um movimento de apoio se tece em todo o mundo, onde as redes sociais emitem
iniciativas de solidariedade, serão os intelectuais franceses os últimos a
elevar a sua voz pela Grécia? Sem mais demora, vamos multiplicar os artigos, as
intervenções nos media, os debates, as petições, as manifestações. Porque toda
a iniciativa é bem-vinda, toda a iniciativa é urgente.
De nossa
parte, eis o que propomos: formar rapidamente um comité europeu de intelectuais
e artistas pela solidariedade com o povo grego que resiste. Se não formos nós,
quem será? Se não for agora, será quando?
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Alain
Badiou, Jean-Christophe Bailly, Étienne Balibar, Claire Denis, Jean-Luc Nancy,
Jacques Ranciere, Avital Ronell, são professores na EGS.
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Alexandra Balona vive no Porto e é bolseira da FCT, estando
a desenvolver a sua tese de doutoramento na EGS.