Luísa Alpalhão
[ Table for 100’s ]
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Apresentação | debate | jantar luso-nipónico
Centro das Artes Culinárias / Mercado
de Sta. Clara, Lisboa
18 Janeiro [4ªfeira] / 19h30 > 22h
€6 euros por pessoa / marcação até dia 16.01 através do email: atelier.urban.nomads@gmail.com
€6 euros por pessoa / marcação até dia 16.01 através do email: atelier.urban.nomads@gmail.com
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‘They are
merchants who belong to the race of the Barbarians of the South. (…) they are
completely ignorant of the laws of etiquette. They drink without cups, they eat
without chopsticks, and they pick up food with their hands.’
from the brush of the bonze Nampo Bushi,
Tanegashima, 1543
Enquanto
o visitante deambula entre um espaço semi-público/semi-privado do rés-do-chão ao
terraço de um dos poucos edifícios industriais reminiscentes no centro de
Fukuoka, Konya2023, as relações históricas, culturais e de utilização de
espaços entre o país dos Bárbaros do Sul [i] e o arquétipo de delicadeza
cultural [ii] reuniram-se em [ Table for 100’s ], um projecto que une duas
culturas distintas através da gastronomia e dos espaços em torno da mesma.
| provar | relações histórico-culturais |
A longa relação histórica entre Portugal e o Japão
remonta ao século XVI. No entanto, segundo The Japanese Chronicles [1] de
Bouvier, a forma como os Portugueses foram retratados nem sempre foi particularmente
positiva. Quando hoje perguntam ‘ Dochira
desu ka?’, ao que respondo ‘Porutogaru’
os rostos nipónicos são iluminados por um sorriso reluzente enquanto balbuciam ‘kasutera’ e ‘Nagasaki’. A lista de vocabulário e de pratos oriundos das trocas
culturais entre os dois países durante os anos em que os missionários Jesuítas
Portugueses ocuparam as cidades de Nagasaki e Kagoshima é surpreendentemente
extensa. Aos poucos, novos pratos surgiram, novos sabores e hábitos alimentares
foram introduzidos e descobertos.
A gastronomia pode
ser interpretada e utilizada como um modelo para diálogos interculturais em
qualquer parte do mundo. Sendo um tema partilhado com entusiasmo pela maioria das
culturas, qualquer pessoa pode facilmente aderir a uma discussão sobre o
assunto, expressar a sua opinião. A gastronomia pode também ser facilmente
utilizada como uma ferramenta para o desenvolvimento de projectos de carácter
social. É à Mesa que as pessoas se juntam para falar, partilhar da companhia
uns dos outros independentemente da religião ou idade, nacionalidade ou classe
social.
[ Table for 100’s ] não deverá ser estritamente encarado
como um projecto de design, mas sim como um projecto que desencadeou vários
debates sobre comida, hábitos alimentares e do estar à mesa, sobre História e histórias. Alguns dos ditos de Luís
Fróis extraídos do ‘Tratado das contradições e diferenças de costumes entre a
Europa e o Japão’ [3], escrito no século XVI, foram revistos e refutados de
forma a retratar as sociedades Japonesa e Portuguesa contemporâneas. Em poucas
palavras, em Inglês e Japonês, este tópico ganhou conteúdo suficiente para um entendimento
mútuo que deu origem a várias actividades (oficinas com crianças, narrativas
partilhadas por adultos, trocas de saberes por correspondência) e à criação de
algumas das peças expostas para além da Mesa ( [Mix and match] ou [LA >>
LF : 2011 >> 1563] ). Mais do que um objecto, [ Table for 100’s ] poderia
ser considerado como uma ferramenta diplomática, um projecto didáctico para
todos os que fizeram parte da equipa, para os visitantes e participantes.
Toda
a investigação feita antes e durante a fase de metodologia serviu de fundação para
a concepção das várias peças incluídas na exposição.
| tocar | participação, um projecto colectivo |
A organização e disposição da exposição obedecem a uma
narrativa relacionada com as diferentes fases do dia, as respectivas refeições
e os cinco sentidos. O visitante é convidado a participar desde o início do
percurso.
É comum haver um distanciamento entre a obra de arte e o observador.
Distanciamento este que resulta da representação pessoal (neste caso do
artista) de algo pouco familiar para o observador levando-o a uma incapacidade
de percepção da obra e, possivelmente, a uma atitude de indiferença face ao
abstracto, ao intangível.
[ Table for 100’s ] evita adoptar um processo criativo
individualista. Resulta de uma atitude participativa face ao processo de design
desde a fase conceptual até à fase de apresentação. O projecto convida o público
a participar de forma a que este sinta responsabilidade por parte da autoria do
mesmo para que deixe de ser um ‘projecto de autor’, evidenciando a contribuição
de cada indivíduo a vários níveis.
A
apropriação de um produto/espaço/projecto é uma das características que
assegura o seu sucesso tendo em conta que o designer/criador é o indivíduo comum
que irá orgulhosamente falar sobre o seu trabalho, que irá cuidadosamente
cuidar do mesmo, contribuir para a sua manutenção e preservação. Esta forma de
projectar visa começar pelo micro e daí então passar para o macro, desde a
escala da Mesa até ao planeamento de espaços públicos de uma cidade, tal como
registado nos Parques Infantis de Van Eyck [4] em Amesterdão. É uma estratégia
de design que resulta da relação próxima entre design e utilizador.
| ver | materiais, uma sociedade de consumo |
Numa sociedade onde o consumo tem vindo,
progressivamente, a atingir níveis excessivos, lixo resultante de um sobre-empacotamento desnecessário, materiais
subaproveitados (frequentemente utilizados em exposições/eventos temporários e
subsequentemente deitados fora) e desperdícios alimentares têm sido temáticas recorrentes
no meu trabalho. Visando referências como os princípios subjacentes ao trabalho
de Rural Studio [5] ou Koeberling & Kaltwasser [6] os meus projectos adoptam
um processo de design inverso ao convencional. O conceito de qualquer um deles requer
um ‘Banco de Materiais’. A população é envolvida no projecto a partir da doação
de materiais que, de outra forma, seriam descartáveis, mas que poderão
contribuir para a construção do novo espaço/objecto. Materiais esses que irão
informar o design, as plantas, alçados e cortes de cada projecto.
Esta atitude perante o processo de design representa uma
forma de reinventar o descartável, convidar a população a participar de uma
forma proactiva no desenvolvimento do projecto (levando a que esta encontre
frequentemente vestígios dos seus pertences no produto final) e de redução de
custos.
Em [ Table for 100’s
] o ‘Banco de Materiais’ foi criado logo no início do projecto. Várias pessoas
doaram materiais que foram utilizados tanto na construção como na ocupação da
Mesa, tal como nas obras mais pequenas.
Este
método de projectar apresenta um desafio para a estética Japonesa tão bem
descrita por Moraes [7], Barthes [8] e Tanizaki [9] e questiona a obsessão nacional
por embrulhos e embalagens que se traduz em lixo desnecessário fruto de um constante
empacotamento excessivo. A cultura Japonesa é certamente aquela onde o sentido
de harmonia é mais evidente. Não é uma característica forçada, mas sim uma
qualidade que tem sido intrínseca a este povo desde há muitas gerações. Harmonia
esta que foi enfatizada durante o período Edo, quando os Japoneses se tornaram
nos mais exímios artesãos, mestres de requintadas técnicas, e produtores das mais
belas e delicadas obras. [ Table for 100’s
] apresenta um sentido estético mais cru, menos cuidado que, mesmo tendo
sido meticulosamente pensado e construído por carpinteiros Japoneses muito competentes
(e rápidos) não pode ser incluído nas mesmas linhas de design ou arquitectura seguida
pelos designers e arquitectos Japoneses contemporâneos. Por outro lado,
poderíamos estabelecer relações formais e estéticas entre [ Table for 100’s ] e as construções vernaculares de pequenas
vilas piscatórias como Wajima, ou cidades costeiras como Hakodate, onde o proprietário
das casas é também o construtor, onde o conceito de planeamento urbano é algo
desconhecido, onde construção representa uma colecção ecléctica de materiais
que leva às mais extraordinárias justaposições de arquitectura vernacular
contemporânea.
| ouvir | narrativas gastronómicas |
Para
um projecto ser bem sucedido é necessário que este vá para além da projecção do
objecto ou espaço, é necessário que contenha o que no Japão é designado cocoro (alma e coração). O projecto deve
herdar e incorporar histórias daqueles que nele estão envolvidos de forma a
reflectir episódios e momentos do dia-a-dia comuns e familiares a qualquer
pessoa criando um conjunto de narrativas paralelas sobre o mesmo tema. ‘Dining
stories’ foi a base que deu conteúdo ao projecto. Gastronomia foi a temática
escolhida. Espaços, objectos e pessoas envolvidas constituem as peças do puzzle
que conduziram às narrativas de [ Table for 100’s ] ao estilo de Perec [10] onde o cuidado com
o pormenor foi fundamental para a aproximação com os observadores.
Correspondentes do Japão e de Portugal foram convidados a relatar os seus
hábitos e rotinas alimentares dando origem a uma colecção de narrativas
ilustradas que ajudaram a definir a forma e dimensões da Mesa e de todo o projecto.
Este foi um outro método de envolver a população local, fazê-la reflectir sobre
os seus hábitos para que assim pudessem encontrar referências dos espaços que
lhe são familiares, os espaços onde tomam o pequeno almoço, a secretária onde
almoçam no escritório, o balcão do isakaya. A informação recolhida em ‘Dining
Stories’ serviu também de material de base para alguns dos outros trabalhos em
que o visitante poderia encontrar fragmentos paralelos dos hábitos alimentares
de várias pessoas ao longo do dia ([24 Hour Dining People]) ou de ingredientes
recorrentes utilizados em muitos dos pratos descritos ([Can you smell it?]).
| cheirar | descobrir, apropriação dos espaços públicos |
[ Table for 100’s ] poderia ser designada como
‘Arquitectura Bento’, uma variação de ‘Pet Architecture’ [11] do Atelier Bow
Wow. Bento são pequenas caixinhas delicadamente embrulhadas em tecidos Furoshiki
(tecidos quadrangulares com os mais belos padrões utilizados para funções
várias) que contêm os restos da refeição da noite anterior ou pequenas
quantidades de comida cuidadosamente confeccionada e colocada nas múltiplas
divisórias criando uma palete cromática com os cinco tons essenciais que
qualquer refeição deve reunir. Cada pequena dose é uma surpresa por si só fruto
da beleza e sabor de cada ingrediente. Quando combinadas, as várias porções
formam uma deliciosa e rica refeição que mistura o novo com o conhecido.
[ Table for 100’s ] é o resultado da sobreposição de um
conhecimento adquirido teoricamente com aquele que resulta principalmente de
observações e experiências de vida, de diálogos, do saber empírico. É uma sobreposição
de histórias e um esforço conjunto que deu origem a um objecto/espaço que
permitiu a emergência de novas actividades na cidade, que fez uso de um espaço
e de materiais que estariam, de outra forma, subaproveitados ou mesmo negligenciados.
[ Table for 100’s ] é um mediador entre arte e arquitectura através de
participação que representa um método alternativo cujo objectivo é ajudar a
rejuvenescer determinadas zonas urbanas em resposta ao contexto actual de um
mundo que encara uma séria crise económica e de um crescendo exponencial de uma
atitude individualista da população. Projectos
participativos e pro-activos de intervenção urbana podem ter um impacto
bastante maior no tecido urbano que intervenções de autor, ‘starchitecture’, resultantes
da forte ligação com as rotinas pessoais e o dia-a-dia de cada cidadão.
[ Table for 100’s ] exposição e instalação | konya2023 | fukuoka | japão
111111 > 111130 www.tablefor100s.wordpress.com
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[1]
BOUVIER, Nicolas; The Japanese Chronicles; London, Eland Publishing Limited,
2008
[2]
HEARN, Lafcadio; O Japão uma antologia de escritos sobre o país, Lisboa,
Edições Cotovia, 2005
[3]
FRÓIS, Luís; Tratado das contradições e diferenças de costumes entre a Europa e
o Japão, Macau, Instituto Português do Oriente, 2001
[4]
VAN EYCK, Aldo; Aldo Van Eyck: Works, 1944-99; Basel, Birkhauser Verlag AG,
1999
[5]
OPPENHEIMER, Andrea; Rural Studio: Samuel Mockbee and an Architecture of
Decency; New York, Princeton Architectural Press, 2002
[6]
KOERBERLING, Folke; KALTWASSER, Martin; Ressource Stadt - City as a Resource:
One Mans Trash is Anothers Treasure; Berlin, Jovis, 2006
[7]
MORAES, Wenceslau de; Dança das Borboletas; Lisboa, O Independente, 1999
[8] BARTHES
Roland; Empire of Signs; Australia, Anchor Books, 2005
[9]
TANIZAKI, Junichiro; In Praise of Shadows; London, Vintage Classics, 2001
[10]
PEREC, Georges; Life: a user’s manual; London, Vintage Classics, 2003
[11]
ATELIER BOW BOW; Pet Architecture Guide Book; Japan, World Photo Press, 2002
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Luísa Alpalhão
Nasceu em
Lisboa em 1984. Licenciou-se em Arquitectura pela University of East London e
completou o Mestrado em Arquitectura na Royal College of Art, Londres. Está, de
momento, a fazer um Doutoramento na Bartlett, University College of
London, sobre Arquitectura, Arte e Participação e a forma como comunidades
imigrantes têm vindo a moldar os espaços públicos de Lisboa. É fundadora
do colectivo pluridisciplinar atelier urban nomads. (www.atelierurbannomads.org).