Vulture-capitalist - Banksy (via: Romany WG collection) |
William Wall
Tottenham
Motins Neoliberais e a Possibilidade da Política
(Scroll down for English version)
Uma das muitas coisas que ouvimos repetido ad nauseam no contexto dos actuais tumultos em Londres é que os amotinados são selvagens, ladrões, ou então, mais generosamente, uma juventude ressentida. Todo o discurso de James Cameron e dos seus seguidores é apenas sobre crime e castigo e toda a força da lei – como se estas pessoas não encontrassem toda a força da lei no seu dia-a-dia. É nos dito invariavelmente que não há contexto político, que não há motivo político, que não há inimigo político – que isto é criminalidade pura e simples. Isto porque a violência contra a polícia (e, por isso, contra o estado) não é considerada em si mesmo como política. Isto porque o despeito, o desejo por, e a aquisição de bens de luxo como televisões plasma e joalharia não são considerados por si um assunto político. A classe política e o comentariado não conseguem conceber que são eles próprios inimigos das pessoas que vivem em áreas como Tottenham onde os cortes dos Tory (Conservadores) têm fechado centros de apoio a jovens, que sofreram um desemprego massivo mesmo quando a City estava em crescimento, e que tem sido objecto de legislação crescente destinada a coloca-los ainda mais em desigualdade.
Por outro lado, o estado neoliberal funciona em primeiro lugar como forma de facilitar a acumulação de riqueza e, por isso, de bens luxuosos. O propósito do estado, diz-nos a teoria neoliberal, é permitir que o negócio e a indústria funcionem com ganhos e, para que isso aconteça, deve encarregar-se de certas actividades das quais o negócio e a indústria não conseguem expectavelmente retirar lucro – construção de estradas, por exemplo, ou organização de uma força de segurança – contudo, à medida que as margens de lucro diminuem e os mercados são inundados pela concorrência, mesmo estas funções sagradas do estado começam a ser des-reguladas ou privatizadas de forma a permitir que as empresas com fins lucrativos possam tomar conta delas. A proposta de privatização do serviço prisional é um exemplo, assim como, esse contínuo movimento de entrega da educação às empresas de computadores. É também difícil não mencionar o inacreditável argumento que o NHS (Serviço Nacional de Saúde) no Reino Unido está falido, bem como o programa Conservador de o abrir supostamente a empresas com fins lucrativos mais baratas e eficientes – apesar de todos os estudos mostrarem que o NHS é a forma mais eficiente e sustentável de entrega de cuidados de saúde.
Desta forma o capitalismo saqueia a esfera pública. Serviços que os cidadãos possuem desde há mais de cem anos considerados como bens públicos e salvaguardados da exploração e do lucro de alguns – serviços de saúde, lares de terceira idade, educação, subsídios de desemprego, pensões, água canalizada, esgotos, recolha de lixo, estradas e passeios, planeamento rural e urbano, correios, companhias de telefones, polícia, e etc. – estão a ser sujeitos a uma pressão sistemática e sustentada que procura quebrar a ligação entre o cidadão e os serviços. Não deveremos continuar a pensar estas coisas como nossas, excepto no sentido em que podemos dizer que um banco é nosso. Estas coisas são nos fornecidas como bens e serviços por empresas que exercem o direito de fazer deles lucro – isto é, fazer de nós lucro, da nossa dor, da idade dos nossos pais, da infância das nossas crianças, dos nossos problemas financeiros, do nosso ambiente. Os cidadãos estão a ser redefinidos como consumidores de serviços. E a única função do estado é regular as actividades das empresas para que não se desenvolva nenhuma espécie de monopólio.
A polícia funciona como garante do lucro. A polícia é nossa apenas no sentido em que o colector de impostos é nosso. A polícia encontra-se, assim, cada vez mais (se é que não foi sempre assim), com as suas costas viradas para o muro corporativista enfrentando uma cidadania deserdada para quem o estado não é mais que uma força hostil. Isto dá à polícia uma dimensão política, já que é um erro pensar que esse saqueamento da esfera pública por corporações e indivíduos não tem também um dimensão política. Claro que ninguém do lado das corporações lhe quer dar esse nome. Eles preferem que seja entendido como senso comum. O estado está falido, dizem eles, ou falhou. As empresas privadas podem fazer esse trabalho eficientemente e dar um bom valor ao dinheiro para o consumidor. O que eles realmente querem dizer é: Nós vamos pegar no dinheiro e fugir. Quando estiver em baixo e sem dinheiro, o melhor é confirmar o seu rating.
Agora que o fosso entre ricos e pobres nunca foi tão elevado, mais alto do que no século XIX quando o capitalismo estava no seu auge, será uma surpresa que os jovens desempregados de Tottenham, Hackney, Clapham ou Peckham tenham aprendido bem essas lições? No caso de um colapso do estado, não tirem os olhos da grande oportunidade. O ouro está em alta, é para onde todos os investidores atentos estão a ir. Eles guardam o seu dinheiro e fogem. Há sempre um mercado para televisões fixes, especialmente com a aproximação das Olimpíadas – mesmo ao virar da esquina de Tottenham, como acontece. Se não podes vencê-los, junta-te a eles. Por isso anda cá e leva o que puderes. No final do dia é apenas negócio. Do Macdonalds às empresas de cobrança de empréstimos e do nós compramos ouro que anuncia por todo a parte do Este e Sul de Londres, a mensagem é clara: ‘o único valor que depositamos em si é a sua capacidade para pagar. Quem não pode pagar é um carteirista, escumalha, um parasita’.
Neste mundo a polícia é apenas uma outra forma de violência – vejam o que fizeram aos manifestantes anti-cortes. Eles são as armas preferidas para disciplinar a juventude descontente, para criminalizar dissidentes e para proteger o lucro. Não estão a desempenhar um papel muito efectivo em Londres agora é certo, mas trabalharam bastante bem noutros sítios, que são facilmente distinguidos. A recente sentença de prisão de 16 meses para Charlie Gimour por supostos actos violentos durante os protestos anti-cortes, dos quais os piores parecem ter envolvido o arremesso de um contentor do lixo contra o Rolls Royce do Principe de Gales, contrasta radicalmente com o facto de nenhum polícia ter sido condenado pela morte sob detenção de um homem negro. O assassinato de um homem negro num táxi em Ferry Lane, Tottenham é mais uma peça dessa função repressiva. Sabemos agora que não há qualquer prova que suporte o álibi da polícia que Mark Duggan teria disparado primeiro. Independente de ser ou não um criminoso, como a polícia acreditava que sim, o facto é que esta nunca ousaria matar o director de um banco. Ainda assim, o banqueiro é o reverso dessa moeda que tem o rosto de Mark Duggan numa das suas faces. O encerramento de três quartos dos centros de apoio a jovens em Tottenham pelo actual governo conservador está directamente ligado à suposta estabilidade da economia inglesa. O preço da casa do banqueiro é paga pelos jovens cidadãos do Norte e Sul de Londres. Hoje, na televisão um homem que vivia em Londres descrevia os desordeiros como ‘comprando com o nosso dinheiro’. Mas isto funciona das duas maneiras. O banqueiro compra com o dinheiro que deveria ter ido para as comunidades de Tottenham, Clapham, Hackney…
Que os amotinados tenham feito essa ligação apenas parcialmente não é culpa destes. Se eu fizesse parte do governo conservador, eu recearia o dia em que essa juventude ressentida faça um raciocínio mais apurado acerca de quem é o seu opressor, isto é, quando se deslocarem do inimigo que está à sua frente (a polícia) para o inimigo que permanece por detrás das janelas esfumadas e dos edifícios icónicos. Que eles repetidamente apontaram alvos às grandes cadeias multinacionais – Topshop, Hugo Boss, MacDonald’s, Sony e Carpetright (Presidente Lord Harris of Peckham, Partido Conservador e Membro da Casa dos Comuns), e que tenham existido perturbações em Oxford Street é já significativo. Entretanto eles vivem a versão do sonho neo-liberal do rapaz pobre, comprando ‘com o nosso dinheiro’ nos melhores lugares, trazendo para casa as mais recentes novidades em sapatilhas, tecnologia e o melhor de todos os investimentos, o ouro.
Não há nada de impensado nesta violência. É inteligente, tecnológica e bem organizada. Tacticamente, os amotinados fintaram a polícia, bem mais forte, e os serviços secretos. É certamente destruição da vida comunitária, brutalmente forte nos pequenos comerciantes e nas pessoas que vivem nas principais ruas, mas não o é também, o desemprego permanente, a desesperança e a convicção que o estado te abandonou em troca da Bolsa? Que estes jovens se viraram contra os símbolos mais imediatos do poder e da riqueza e que eles querem uma parte disso não faz destes motins pior do que a destruição levada a cabo por Tatcher e que agora começa sob Cameron. E eles são na sua essência neoliberais porque absorveram o ditado que a ganância é boa, que podes tirar tudo quanto quiseres e que os mais poderosos serão eles próprios os herdeiros da terra.
Enterrado ai, debaixo de todas as falsas consciências, há ainda uma questão de raiva que deriva da crescente humilhação deles e dos seus pais nas suas próprias comunidades. Que é acompanhado pela certeza que esses betos do partido republicano, os proprietários das empresas multinacionais e a polícia são os seus inimigos. A estrutura da coisa pode não ser muito clara para eles, mas são eles que sentem os seus efeitos. As suas vidas estão saqueadas. Eles não têm nada a perder.
Mas se esta oradora corajosa e poderosa de Hackney for de facto em frente então talvez eles consigam chegar a uma análise bem melhor. ‘Acordem, negros’, diz ela, ‘se estamos a lutar por uma causa lixada nós estamos a lutar como causa lixada’. Ela sabe que os motins são de natureza política, mas é a política errada neste momento. Eles lutam pela causa errada. O escritor Darcus Howe diz o mesmo neste vídeo mas, com mais experiência, ele chama a isto uma insurreição
______
Tottenham: Neoliberal Riots and the Possibility of Politics
One of the many things that we hear repeated ad nauseam in the context of the present rioting in London is that the rioters are ‘feral’, ‘yobs’, ‘thugs’ or more generously ‘disaffected youth’. All the talk from Cameron and his cohorts is of crime and punishment and ‘the full force of the law’ – as if these young people did not encounter the full force of the law on a daily basis. We are told variously that there is no political context, no political motive, no political enemy – it is ‘criminality pure and simple’. This is because violence against the police (and therefore the state) is not considered in itself to be political. It is because the envy of, the desire for and the acquisition of luxury goods such as plasma TVs and jewellery is not considered political. The political class and the commentariat cannot conceive of themselves as enemies of the people who live in areas like Tottenham where Tory cuts are closing youth centres, which suffer massive unemployment even while the City is booming, and which are the objects of legislation designed to disadvantage them even further.
On the other hand, the neoliberal state functions primarily as a way of facilitating the accumulation of wealth and hence luxury goods. The purpose of the state, neoliberal theory tells us, is to enable business and industry to function profitably and to this end it must undertake certain activities that business and industry cannot reasonably be expected to make a profit from – road building, for example, or providing a police force – although, as profit margins shrink and markets are flooded by competitors, even these sacred state functions are being ‘de-regulated’ or privatised to allow for profit-making companies to take them over. The proposed privatisation of the prison-service is an example, as is the continuous drive to open education up to exploitation by computer companies. It’s hardly worth mentioning the crazy argument that the NHS in the UK is ‘broken’ and the Tory programme of opening it up to supposedly cheaper and more efficient profit-making companies – despite the fact that all the studies show that the NHS is the most efficient and cost-effective way of delivering health care.
So capitalism is looting the public sphere. Services that citizens have for a hundred or more years considered to be public goods and not to be exploited for the profit of a few – health care, care of the elderly, education, unemployment benefit, old-age pensions, fresh water, sewers, waste disposal, roads and footpaths, urban and rural planning, the postal service, the telephone service, the police, and so on – are subject to systematic and sustained pressure aimed at breaking the link between the citizen and the service. No longer should we think of these things as ‘ours’, except in the sense that we can say a bank is ours. These things are provided to us as goods and services by companies which exercise their right to make a profit out of them – out of us really, out of our pain, our parent’s old age, our children’s childhood, our money troubles, our environment. Citizens are to be redefined as consumers of services. The sole function of the state is to regulate the activities of companies so that monopolies do not develop.
The police function as the guarantor of profit. The police are ‘ours’ only in the way the taxman is ours. The police thus find themselves increasingly (for it was ever thus) with their backs to the corporate wall facing a disinherited citizenry for whom the state is a hostile force. This makes the police political for it is a mistake to think that the looting of the public sphere by corporations and individuals is not political. Of course, nobody on the corporation side wants to call it that. They want it to be understood as common sense. The state is ‘broken’, they say, or it has ‘failed’. Only profit-making companies can do the job efficiently and give good value for money to the consumer. What they really mean is ‘We’re going to take the money and run’. When you’re down and out, feeling low, check your credit rating.
At a time when the gap between the rich and the poor is at an historic high, higher than it was in the nineteenth century when capitalism was at its peak, is it any surprise that unemployed young men from Tottenham, Hackney, Clapham or Peckham have learned these lessons well? In the event of the breakdown of the state, keep your eye on the main chance. Gold is at an all-time high now, it’s where all the smart investors are going. They take their money and run. There’s always a market for cool TVs, especially with the Olympics coming up – just up the road from Tottenham as it happens. If you’re not in you can’t win. So get in there and take what you can. In the end of the day it’s just business. From MacDonald’s to the ‘Payday loans’ and ‘we buy gold’ companies that advertise all over East and South London, the message is clear: ‘The only value we place on you is your ability to pay. Anyone who can’t afford to pay is a scrounger, a scum, a chavvy bastard, a parasite.’
In this world the police are just another form of violence – look at what they did to the anti-cuts marchers. They are the state’s weapon of choice for disciplining disaffected youth, forcriminalising dissent and for protecting profit. They’re not playing the latter role very effectively in London at present, but they’ve worked hard at the others, which are easier picking. The recent gaol sentence of 16 months for Charlie Gilmour for supposedly violent acts during the recent anti-cuts protest, the worst of which acts seem to have involved throwing a dustbin at Prince Charles’ Rolls Royce and swinging from a flagstaff, contrasts sharply with the fact that no policeman has ever been convicted for the death in custody of a black person. The shooting dead of a black man in a mini-cab in Ferry Lane, Tottenham is all of a piece with this repressive function. We now know that there is no evidence to support the police alibi that Mark Duggan fired first. Whether or not he was a gangster, as the police believed, the fact is they would never have shot a bank director. Nevertheless, the banker is the obverse of the coin that has Mark Duggan’s face on it. The closure of three-quarters of the youth centres in Tottenham by the present Tory government is directly linked to the supposed stability of the UK economy. The price of the banker’s home is paid by the young citizens of North and South London. Today, on RTE’s LIveline program I heard a man who lived in London describe the rioters as ‘shopping with our money’. That works both ways. The banker shops with money that should have gone to the communities of Tottenham, Clapham, Hackney …
That the rioters have only tentatively made that connection is not their fault. If I were the Tory government and their criers-in I would dread the day that the disaffected youth makes a more accurate assessment of their oppressor, when they will move on from the enemy in their face (the police) to the enemy behind the one-way windows and ‘iconic’ buildings. That they have repeatedly targeted the big multinational chains – Topshop, Hugo Boss, MacDonald’s, Sony, and Carpetright (Chairman Lord Harris of Peckham, Conservative Party donor and Member of House of Lords), and that there have been ‘disturbances’ in Oxford Street is significant. In the meantime they live the poor kid’s version of the neoliberal dream, shopping ‘with our money’ in all the best places, bringing home the latest in sports shoes, technology and that best of all investments, gold.
There is nothing mindless about this violence. It is intelligent, technological and well-organised. Tactically, the rioters have outfoxed the much stronger police force and the intelligence services. It is destructive of community life certainly, brutally hard on small shopkeepers and people living on or near the high streets, but so is permanent unemployment, hopelessness and the conviction that the state has abandoned you in favour of the Stock Exchange? That these young people have turned on the most immediate symbols of power and wealth and that they want some of it for themselves makes these riots no worse than the destruction undertaken by Thatcher or beginning under Cameron. And they are quintessentially neoliberal because these young people have absorbed the dictum that greed is good, that you take what you can, that the powerful shall inherit the earth.
Buried in there, under all the false consciousness, there is still a measure of anger deriving from the increasing humiliation of themselves and their parents and their communities. It is accompanied by a certainty that the toffs of the Tory party, the owners of multinational corporations and the police are their enemies. The structure of the thing may not be very clear to them, but they feel its effects. Their lives are looted. They have nothing to lose.
But if this brave and powerful speaker from Hackney has her way they may find a better analysis. ‘Get real black people,’ she says, ‘if we’re fighting for a fucking cause we’re fighting for a fucking cause’. She knows that the riots are political, but it’s the wrong politics at the moment. They’re fighting for the wrong cause. Writer Darcus Howe says so too (this video may be taken down by Youtube, so share if you can) but, with more experience, he calls it an insurrection.
[As I write London is quieter but the action has moved to Manchester (from which many of London’s police reinforcements have been drawn!), Birmingham and Bristol, and a police station in Nottingham has been fire-bombed.]
____
William Wall (Cork, 1955)
____
Mais | More: